Governada por militar desde 2022, quando foi palco de duas tomadas de poder, Burkina Faso não retornará tão cedo à democracia. A junta militar que governa o país atualmente seguirá no comando por ao menos mais cinco anos, cancelando definitivamente as eleições que estavam marcadas para ocorrer em julho deste ano.
De acordo com a agência Associated Press (AP), a decisão de postergar a retomada do processo democrático no país africano, anunciada no sábado (25), foi tomada em uma reunião que contou com representantes da sociedade civil, das forças de segurança nacionais e do parlamento de transição estabelecido após o golpe de Estado.
Embora tenham estabelecido o prazo de cinco anos para realização das novas eleições, os militares admitem antecipar essa data “se a situação de segurança assim o permitir”, disse o presidente interino capitão Ibrahim Traoré, conforme relatou a agência Reuters.
Burkina Faso enfrenta uma onda antidemocrática que culminou com a tomada de poder por uma junta militar em janeiro de 2022. Oficiais descontentes derrubaram o presidente eleito Roch Marc Christian Kabore, que enfrentava protestos pela forma como combatia a sangrenta insurgência jihadista.
Em 30 de setembro daquele ano, um segundo golpe levou a nova mudança no poder, com Traoré assumindo o governo central. Ele segue no comando do país atualmente e prometeu a realização de eleições para a escolha um novo líder em julho deste ano, até que a decisão do final de semana mudou novamente o cenário.
Traoré já vinha usando a violência extremista que impera no país para justificar a possibilidade de adiamento do pleito, o que agora se confirmou. A situação levou a manifestações de reprovação de grupos humanitários, que inclusive acusam as forças de segurança de matarem civis durante operações de contraterrorismo.
No final de abril, a junta chegou a bloquear a atuação de veículos de imprensa ocidentais que noticiaram um massacre de civis supostamente conduzido pelas Forças Armadas e denunciado pela ONG Human Rights Watch (HRW).
Segundo relatório divulgado pela entidade, os militares burquinenses teriam executado sumariamente pelo menos 223 civis, incluindo 56 crianças, em duas aldeias no dia 25 de fevereiro de 2024, mas o caso foi somente revelado um mês depois.
A partir de então, diversos veículos de imprensa que repercutiram a denúncia da HRW foram bloqueados em Burkina Faso, além do site da própria ONG que revelou o caso. Entre as vítimas da repressão estão a BBC, rede pública do Reino Unido, e a Voice of America (VOA), financiada pelo governo dos EUA.
O governo de transição alega que o relatório da HRW é “infundado” e que vem investigando o ocorrido, segundo a rede France 24. E que o objetivo da mídia ocidental é “desacreditar” as ações da junta militar na luta contra o extremismo, conforme cresce no país a atuação de grupos ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (EI).
Adeus à democracia
Burkina Faso não é o único país cuja volta à democracia tornou-se uma promessa não cumprida. As juntas militares que governam Mali e Níger também indicam que não haverá eleições abertas em um futuro próximo, levando inclusive à aplicação de sanções contra esses países em represália contra a manutenção dos regimes autoritários.
O Mali é quem está há mais tempo sob um governo militar. O país viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, colocando no poder o coronel Assimi Goita. O argumento para derrubar o governo democraticamente eleito, representado pelo primeiro-ministro Moctar Ouane e pelo presidente Bah Ndaw, foi a luta contra o extremismo.
O golpe em Burkina Faso veio sob a mesma justificativa, em janeiro de 2022, seguido pela nova tomada de poder em setembro daquele ano. O Níger, onde a ameaça extremista é menor, nem por isso ficou livre da onda antidemocrática e foi palco de um golpe de Estado em julho do ano passado, com o general Abdourahamane Tchiani ascendendo ao poder.
Foi o golpe no Níger que gerou um pequeno movimento democrático na África, sob a liderança da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). O bloco impôs sanções e até ameaçou intervir militarmente, mas nada disso bastou para Tchiani recuar. Ao contrário, a pressão fortaleceu a aliança entre os três governos, que formaram uma coalizão militar de combate ao terrorismo e pediram a desfiliação da CEDEAO em janeiro.
Ainda assim, os países prometiam que eleições democráticas seriam realizadas, mas os prazos jamais se cumpriam. No Mali, deveriam ter ocorrido em fevereiro deste ano, mas foram postergadas por “motivos técnicos”, sem uma nova data estabelecida. O mesmo ocorreu no Níger, sempre sob o argumento de que a prioridade não é votar, e sim enfrentar o extremismo. E agora o mesmo ocorre em Burkina Faso.