Em média, cinco pessoas morrem a cada dia tentando entrar na Espanha pelo mar

Além da falta de socorro, relatório destaca também os abusos contra os migrantes e mesmo contra familiares dos mortos

Ao menos 951 pessoas morreram tentando entrar na Espanha pelo mar, como migrantes ou deslocados, somente no primeiro semestre deste ano, média de aproximadamente 5 mortes por dia. Entre as vítimas estão 49 crianças e 112 mulheres, segundo relatório publicado na quinta-feira (6) pela ONG espanhola Caminando Fronteras.

O coletivo lista quatro rotas preferenciais usadas para ingressar na Espanha. A mais mortífera é a Rota das Canárias, onde morreram 778 pessoas em 28 incidentes. A Rota da Argélia, por sua vez, teve oito eventos e 102 mortes, enquanto a Rota do Estreito teve 11 incidentes e 50 mortes. Por fim, a Rota de Alborán teve dois episódios que mataram 21 pessoas.

“Entre as causas que provocaram tragédias e vítimas neste período, destacam-se a omissão do dever de socorro, a demora no acionamento dos meios de busca e salvamento, a insuficiência dos meios quando são acionados, as más práticas durante os resgates e a falta de coordenação entre os Estados espanhol e marroquino, cujas relações são regidas por interesses geopolíticos ligados ao controle migratório e não pela defesa do direito à vida”, diz o relatório.

Migrantes chegam a Ceuta, Espanha, em 19 de maio de 2021 (Foto: Reprodução/Twitter/Sophie Garratt)

Além da falta de socorro aos migrantes e deslocados em perigo, a ONG destaca também os abusos das autoridades contra aqueles que conseguem entrar na Espanha e mesmo contra familiares dos mortos. São casos de detenções forçadas, negação ao direito de procurar pelos desaparecidos no mar, corpos enterrados em valas comuns, enterros que não respeitam as crenças religiosas das vítimas e falta de um protocolo eficiente para identificação dos corpos.

“Políticas de morte estão instaladas na fronteira há muito tempo. Mas também detectamos um aumento da impunidade diante do aumento das taxas de mortalidade, que deixa as vítimas e suas famílias sem acesso à reparação e à justiça”, disse Helena Maleno Garzón, coordenadora da Caminando Fronteras.

Uma testemunha relatou à ONG o descaso com as vítimas e os abusos contra os sobreviventes por parte das autoridades marroquinas. “Passamos horas esperando, implorando, ligamos para todos os lugares, para o salvamento, para a marinha marroquina, mandamos posições, mas ninguém veio”, contou. “As crianças choravam muito, não tínhamos água. Eu as vi morrerem na minha frente. Caíram no mar, e quando o resgate chegou já era tarde.”

Deslocamento recorde

Em junho, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) divulgou balanço apontando que quase 3,8 mil pessoas morreram em rotas de migração dentro e fora do Oriente Médio e Norte da África no ano passado. Trata-se de do número mais alto desde 2017, quando foram registradas 4.255 mortes.

No primeiro trimestre deste ano, 441 migrantes morreram somente no Mediterrâneo central. E, desde 2014, mais de 26 mil pessoas morreram ou desapareceram em todas as rotas combinadas.

O aumento das mortes ocorre paralelamente ao crescimento do deslocamento forçado em todo o mundo. Relatório anual divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) aponta que 110 milhões de pessoas vivem forçadamente fora de suas casas atualmente.

Até o final de 2022, o número de pessoas deslocadas por guerra, perseguição, violência e abusos dos direitos humanos já havia atingido um recorde de 108,4 milhões. Foram 19,1 milhões a mais de pessoas forçadas a sair de casa no ano passado que no relatório anterior, referente a 2021.

Considerando os números do final do ano passado, 35,3 milhões são refugiados, pessoas que cruzaram uma fronteira internacional para encontrar segurança, enquanto uma parcela maior, 62,5 milhões, são deslocados internamente devido a conflitos e violência. Os dados englobam ainda 5,4 milhões de requerentes de asilo e outros 5,2 milhões com necessidade de proteção internacional.

Tags: