Lei britânica para enviar requerentes de asilo a Ruanda ‘mina direitos humanos’, diz ONU

Projeto pressupõe que o país africano tem condições de receber os indivíduos em segurança, ignorando quaisquer provas em contrário

Conteúdo adaptado de material publicado originalmente em inglês pela ONU News

As medidas legislativas do Reino Unido para facilitar a rápida remoção de requerentes de asilo para Ruanda são contrárias aos princípios básicos do Estado de direito e correm o risco de desferir um “sério golpe” nos direitos humanos, alertou o chefe dos direitos da ONU na segunda-feira (19).

“Não se pode legislar sobre fatos que não existem”,  afirmou o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, apelando ao governo do Reino Unido para reconsiderar o projeto de lei à luz de relatórios recentes que levantam uma série de preocupações.

“É profundamente preocupante separar um grupo de pessoas, ou pessoas numa situação particular, da proteção igualitária da lei. Isto é antitético à justiça imparcial, disponível e acessível a todos, sem discriminação”, acrescentou.

A Lei de Segurança do Ruanda (Asilo e Imigração) exige que cada “tomador de decisão”, seja um ministro do governo, um escritório de imigração ou um tribunal que reveja as decisões de asilo, trate Ruanda conclusivamente como um “país seguro” em termos de proteção dos refugiados e requerentes de asilo, independentemente das provas contrárias que existam agora ou que possam existir no futuro.

Câmara dos Comuns, a câmara baixa do Parlamento do Reino Unido (Foto: UK Parliament/Flickr)
Projeto de lei retira habilidades dos tribunais

O projeto também reduziria drasticamente a capacidade dos tribunais de examinar minuciosamente as decisões de remoção.

“Resolver questões de fato controverso, questões com enormes consequências para os direitos humanos, é o que os tribunais fazem, e que os tribunais do Reino Unido têm um histórico comprovado de fazer de forma completa e abrangente”, disse Türk. “Deveria caber aos tribunais decidir se as medidas tomadas pelo governo desde a decisão do Supremo Tribunal sobre os riscos em Ruanda são suficientes.”

De forma problemática, o projeto de lei restringe substancialmente a aplicação da Lei dos Direitos Humanos, que confere efeitos jurídicos no Reino Unido às normas estabelecidas na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

O projeto de lei também torna discricionária a implementação de ordens de proteção provisórias do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que são internacionalmente vinculativas para o Reino Unido, acrescentou.

Incompatível com o direito internacional dos refugiados

O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) reiterou as preocupações expressas pelo Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) de que o  regime não é compatível com o direito internacional dos refugiados .

“Os efeitos combinados deste projeto de lei, que tenta proteger a ação do governo do escrutínio jurídico padrão, minam diretamente os princípios básicos dos direitos humanos ”, disse o alto comissário. “A supervisão judicial independente e eficaz é a base do Estado de direito. Deve ser respeitada e fortalecida. Os governos não podem revogar as suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos e de asilo através de legislação.”

A Comissão Mista de Direitos Humanos do Parlamento do Reino Unido publicou na semana passada um importante relatório levantando uma porção de sérias preocupações em matéria de direitos humanos e Estado de direito com a legislação proposta como um todo, disse o funcionário da ONU.

“Exorto o governo do Reino Unido a tomar todas as medidas necessárias para garantir o pleno cumprimento das obrigações legais internacionais do Reino Unido e a defender a orgulhosa história do país de escrutínio judicial eficaz e independente. Tal posição é hoje mais vital do que nunca”, sublinhou Türk.

Não atende aos padrões exigidos

O projeto de lei remonta ao anúncio do Reino Unido, em abril de 2022, de uma nova parceria de migração e desenvolvimento econômico com o governo de Ruanda, mais tarde renomeada como Parceria de Asilo Reino Unido-Ruanda.

Depois de os dois governos terem assinado o Tratado de Parceria de Asilo Reino Unido-Ruanda em 5 de dezembro de 2023, o governo do Reino Unido publicou a Lei de Segurança do Ruanda (Asilo e Imigração) um dia depois.

Após uma análise de ambos, a agência da ONU para os refugiados afirmou em janeiro que “não cumprem os padrões exigidos relativos à legalidade e adequação da transferência de requerentes de asilo” e “não são compatíveis com o direito internacional dos refugiados”.

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