ONG esclarece números de massacre e atribui parte da culpa à junta militar de Burkina Faso

Facção da Al-Qaeda matou ao menos 133 pessoas em 24 de agosto; muitas vítimas realizavam trabalho forçado sob ordens estatais

O massacre ocorrido na região de Barsalogho, em Burkina Faso, no dia 24 de agosto, tinha até então um número incerto de vítimas. Relatos iniciais sugeriam cerca de 200 mortos, e o governo francês chegou a falar em até 600 vítimas. A ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório na terça-feira (29) que apresenta números críveis, 133 vítimas fatais. E culpa parcialmente o governo central.

“O massacre em Barsalogho é o exemplo mais recente de atrocidades cometidas por grupos armados islâmicos contra civis que o governo colocou em risco desnecessário”, disse Carine Kaneza Nantulya, vice-diretora da entidade para a África. “As autoridades devem priorizar urgentemente a proteção de civis, responsabilizar os perpetradores e garantir que as vítimas e suas famílias recebam assistência médica adequada e outro suporte.”

Capitão Ibrahim Traoré, chefe da junta militar que governa Burkina Faso (Foto: twitter.com/capit_ibrahim)

Barsalogho fica cerca de 40 quilômetros ao norte de Kaya, cidade estratégica e um dos últimos focos de resistência das Forças Armadas antes da capital Uagadugu. Integrantes do Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM), ligado à Al-Qaeda, abriram fogo contra pessoas que cavavam trincheiras justamente para conter um ataque extremista esperado desde o dia anterior.

De acordo com a HRW, ao menos 133 pessoas morreram, entre elas dezenas de crianças, e mais de 200 ficaram feridas. O JNIM, por sua vez, alega que pelo menos 300 membros do exército burquinense foram mortos, estatística não corroborada pela ONG. O governo central diz que entre os mortos há, além de militares, voluntários de um grupo de apoio às Forças Armadas chamado Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP).

A HRW classificou o ataque do JNIM como um “crime de guerra evidente”, tomando como base para suas alegações os depoimentos de testemunhas e vídeos compartilhados pelo próprio grupo terrorista em suas redes sociais. Segundo as fontes, as trincheiras vinham sedo cavadas pela população por imposição das forças do governo, o que pode configurar trabalho forçado.

Quando o ataque teve início, cerca de 30 combatentes, entre soldados e membros da VDP, foram enviados para averiguar. A base militar de onde saíram, entretanto, contava com cem homens, sendo que a maioria permaneceu por lá apesar da violência do confronto. Um segundo destacamento, igualmente reduzido, chegou na sequência, mas foi dominado pelos invasores com facilidade.

“À medida que os grupos armados islâmicos continuam a cometer crimes de guerra em todo Burkina Faso, o governo precisa de investigar os abusos de forma credível, estabelecer responsabilidade de comando e procurar processar apropriadamente os responsáveis”, disse Nantulya. “Os aliados de Burkina Faso devem pressionar o governo para parar de colocar civis em risco desnecessário, inclusive usando-os como trabalho forçado em zonas de guerra.”

Por que isso importa?

Burkina Faso convive desde 2015 com a violência de grupos terroristas, insurgência que levou a um conflito com as forças de segurança e matou milhares de pessoas. Facções armadas lançam ataques ao Exército e a civis, desafiando também a presença de tropas estrangeiras.

Os ataques costumavam se concentrar no norte e no leste, mas agora estão se alastrando por todo o país, com quase metade do território nacional fora do controle do governo central. Assim, Burkina Faso superou Mali e Níger como epicentro da violência jihadista na região.

Houve um período de relativa calmaria, até que a violência aumentou após a tomada do poder no país por uma junta militar em janeiro de 2022. Oficiais descontentes derrubaram o presidente eleito Roch Marc Christian Kabore, que enfrentava protestos pela forma como combatia a sangrenta insurgência jihadista. Em setembro daquele ano, um segundo golpe levou a nova mudança no poder, com o capitão Ibrahim Traoré assumindo o governo central.

A instabilidade só faz crescer o problema da insurgência. Desde os golpes, um dos ataques mais violentos ocorreu em novembro de 2023, quando “dezenas de civis” foram mortos por insurgentes do Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM), um grupo ligado à Al-Qaeda.

Na ocasião, os extremistas atacaram uma base militar, residências ocupadas por civis e três campos de deslocados internos na cidade de Djibo, no norte do país africano. Ao menos 40 civis foram mortos, com outros 42 feridos, de acordo com o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Também foram incendiados 20 estabelecimentos comerciais.

Para especialistas, os extremistas decidiram aproveitar a divisão pública no país, situação que se tornou ainda mais delicada após a França acatar um pedido do governo central burquinense e retirar suas tropas da nação africana. Paris mantinha até 400 membros de suas forças especiais por lá, parte da Operação Barkhane de combate ao extremismo no Sahel.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, HezbollahHamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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