Brasil é antigo reduto do Hezbollah, que explora fragilidades do país para financiar suas operações

Tráfico de drogas gera receita ao grupo, que desenvolveu um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro na América do Sul

Na quarta-feira (8), a Polícia Federal (PF) brasileira cumpriu dois mandados de prisão em São Paulo contra indivíduos acusados de servir ao Hezbollah. A suspeita é a de que eles tentavam recrutar seguidores e se preparavam para realizar ataques terroristas no Brasil. Se o risco de um atentado conduzido por uma entidade fundamentalista islâmica é novidade no país, o mesmo não se pode dizer da presença do grupo extremista libanês. As atividades do Hezbollah por aqui são conhecidas há anos e foram citadas mais de uma vez em relatórios do governo norte-americano. Especialistas no tema também lançaram seus alertas em diversas ocasiões, deixando claro que o grupo radical aproveita fragilidades brasileiras para ganhar e lavar o dinheiro que financia suas operações.

Matthew Levitt, que entre 2005 e 2007 foi vice-secretário adjunto de inteligência e análise do Departamento do Tesouro dos EUA, hoje coordena o programa de contraterrorismo e inteligência do think tank Instituto Washington para Política do Oriente Próximo.

Em agosto de 2016, quando a PF prendeu um grupo de apoiadores do Estado Islâmico (EI) que planejavam atentados durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, Levitt alertou que na verdade era o Hezbollah quem merecia atenção amplificada entre as organizações extremistas islâmicas no Brasil.

“O Irã e o Hezbollah continuam hiperativos na América Latina, um fato que tem toda a atenção dos funcionários dos serviços secretos dos EUA e dos seus homólogos a sul da fronteira”, disse ele em entrevista publicada pelo Instituto Washington há pouco mais de sete anos.

Desfile de combatentes do Hezbollah (Foto: khamenei.ir/WikiCommons)

Segundo Levitt, o alerta foi aceso décadas antes, quando um atentado contra um centro judaico em Buenos Aires, na Argentina, deixou 22 pessoas mortas em 18 de julho de 1994. Alberto Nisman, promotor que investigava o ataque e foi morto em 2015, alertava que diversos países latino-americanos precisavam redobrar a atenção com a infiltração de figuras ligadas à inteligência do Irã, cujo governo é o principal provedor do Hezbollah. O Brasil foi uma das nações citadas no relatório de Nisman.

Anos antes, em 2006, o Tesouro dos EUA já havia sancionado um grupo que atuava na região da Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Entre os alvos estava Farouk Omairi, responsável por obter documentação falsa brasileira e paraguaia que ajudava a regularizar a situação de estrangeiros nos dois países sul-americanos e envolvido também em operações de trafico de drogas

Já o iraniano Mohsen Rabbani, citado em 2011 pela revista Veja como colaborador do Hezbollah no Brasil, tinha trânsito livre no país graças aos documentos falsos e atuava inclusive para recrutar jovens brasileiros interessados em servir à organização.

Entrevistado pela reportagem de A Referência em fevereiro do ano passado, André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos e especialista em conflitos de baixa e média intensidade, alertou para o livre trânsito que extremistas parecem ter no país. “A legislação fraca possibilita o homizio de integrantes de grupos terroristas, o que não acontece na maioria dos países”, disse ele.

Tráfico de drogas e lavagem de dinheiro

Com acesso fácil aos países sul-americanos, o Hezbollah tornou-se uma figura relevante no cenário do narcotráfico regional. Em 2016, o jornal Washington Times publicou uma reportagem segundo a qual o grupo libanês movimentava “toneladas de cocaína” da América do Sul para a Europa.

Michael Braun, ex-chefe de operações da Administração de Repressão às Drogas (DEA, na sigla em inglês) dos EUA, disse à época que o Hezbollah desenvolveu, a fim de viabilizar o faturamento com a droga, o esquema de lavagem de dinheiro “mais sofisticados que já testemunhamos.”

À Comissão de Serviços Financeiros da Câmara dos Estados Unidos, Braun reforçou suas impressões, afirmando que a organização libanesa “se transformou em uma hidra com ligações internacionais que grupos como [o Estado Islâmico] e a Al-Qaeda só poderiam sonhar ter.”

De 2016 para cá, pouca coisa parece ter mudado. Em um recente relatório, publicado em dezembro de 2021, o Departamento de Estado norte-americano fez as mesmas acusações de Levitt e Braun há pouco mais de sete anos. Atestou, assim, que o Hezbollah continua agindo livremente no Brasil para financiar suas operações, mesmo após tantas advertências.

“O Hezbollah continua sua longa história de atividades no Hemisfério Ocidental, incluindo a arrecadação de fundos por seus apoiadores e financiadores na região, como na área da Tríplice Fronteira, onde se encontram as fronteiras de Argentina, Brasil e Paraguai”, diz o documento, que relata pequenos avanços conquistados pelas autoridades brasileiras no combate à lavagem de dinheiro.

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