ONG vê crime de guerra em ataque aéreo que matou mais de cem pessoas no Sudão

Bombardeio que atingiu um mercado lotado, é parte de operação das Forças Armadas, conforme relato da Anistia Internacional

Um ataque aéreo realizado na segunda-feira (9) pelas forças militares do Sudão em um mercado lotado de civis no norte de Darfur deixou mais de 100 mortos e centenas de feridos, segundo o grupo de advogados Emergency Lawyers.

O ataque ocorreu em Kabkabiya, cidade situada a cerca de 180 km a oeste de El Fasher, capital do estado de Darfur. O local, desde maio, está cercado pelas Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), um grupo paramilitar que, junto com o exército sudanês, as Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês), tem protagonizado a guerra civil que assola o país há 20 meses, segundo informações do The Guardian.

De acordo com organizações humanitárias, a guerra de 20 meses entre a RSF e a SAF já resultou na morte de dezenas de milhares de pessoas e no deslocamento de milhões, colocando o Sudão na “pior crise de fome do mundo“.

Aldeia de Darfur abandonada após intensos confrontos (Foto: United Nations Photo/Flickr)

Tigere Chagutah, diretor regional da Anistia Internacional (AI) para a África Oriental e Meridional, condenou a ação.

“Bombardear um mercado cheio de civis é um dos exemplos mais claros de crime de guerra que existe. A presença potencial de soldados em uma área não pode de forma alguma ser usada como justificativa.”

Relatos indicam que entre as vítimas estavam 15 civis deslocados, que haviam fugido de ataques em outras áreas de Darfur e se abrigado em Kabkabiya. A AI recebeu testemunhos de um representante de pessoas deslocadas na região, que confirmou o trágico saldo de mortes.

Chagutah exigiu uma ação imediata das partes envolvidas no conflito.

“SAF e RSF e todas as outras partes do conflito no Sudão devem imediatamente encerrar todos os ataques a civis. Todos os suspeitos de responsabilidade criminal por este ataque e todos os outros contra civis no Sudão devem ser levados à justiça em julgamentos justos.”

O ataque faz parte de uma série de bombardeios aéreos realizados pelas SAF, como observado por grupos de ajuda e observadores de conflitos. A Anistia Internacional já havia documentado ataques aéreos semelhantes no passado, onde áreas civis foram deliberadamente atingidas durante o conflito atual entre a SAF e a RSF.

De acordo com o direito internacional, ataques a alvos civis são proibidos, e as partes em um conflito são obrigadas a tomar medidas para reduzir ao mínimo os danos aos civis. A precisão no momento do ataque, quando a maioria das vítimas eram civis, maximiza o impacto devastador para a população local. A Anistia Internacional exige uma investigação imparcial e a responsabilização dos responsáveis pelos ataques.

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito civil que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.

As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tem entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan lidera um efetivo de cerca de 200 mil.

No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.

O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.

Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.

A terrível situação gera uma grave escassez de suprimentos essenciais, já que as entregas de produtos comerciais e de ajuda humanitária foram fortemente restringidas pelos combates e pelos desafios de acesso ao território controlado pelas RSF.

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