Vozes de oposição são silenciadas a poucos meses das eleições presidenciais na Tunísia

Uma recente onda de repressão contra jornalistas, políticos, advogados e ativistas está sendo interpretada como um sinal claro das intenções do presidente Kais Saied para as eleições presidenciais no final do ano

O autoritário líder da Tunísia, Kais Saied, iniciou uma nova repressão à dissidência, dessa vez mirando advogados, jornalistas e ativistas da sociedade civil antes das eleições presidenciais previstas para o final deste ano. As informações são do jornal Financial Times.

Na quarta-feira (22), um tribunal em Túnis condenou dois profissionais de rádio a um ano de prisão por comentários políticos feitos no ar e nas redes sociais. “Entramos agora em uma lógica de criminalização da opinião”, disse Ziad Debbar, presidente do sindicato dos jornalistas tunisianos, à rádio local Mosaic FM.

Os programas de rádio e TV na Tunísia, aliás, estão proibidos desde o ano passado de cobrir casos envolvendo figuras proeminentes da oposição que foram acusadas de conspirar contra a segurança do Estado. 

A repressão de Saied contra a dissidência criou um clima de arrefecimento em torno do debate público ou da crítica. Pelo menos 10 pessoas foram detidas este mês, em uma ação que a ONG Anistia Internacional (AI) classificou como uma “repressão sem precedentes” contra figuras da sociedade civil.

Presidente da Tunísia, Kais Saied (Foto: Wikimedia Commons)

Entre os detidos estão funcionários de ONGs que ajudam migrantes sem documentos vindos da África Subsaariana. Debbar criticou a lei de 2022 sobre crimes cibernéticos, que vem sendo cada vez mais utilizada contra jornalistas e dissidentes.

A instabilidade política na Tunísia se intensificou em julho de 2021, quando Saied destituiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi, suspendeu as atividades do Parlamento e concentrou em suas mãos quase todos os poderes do Estado. Além disso, o mandatário suspendeu a imunidade parlamentar dos legisladores e assumiu poderes judiciais. No dia 14 de julho, antes de derrubar o governo, ele também ordenou a abertura de uma investigação contra três partidos políticos suspeitos de receberem fundos estrangeiros antes das eleições de 2019, na qual ele saiu vitorioso.

As eleições presidenciais na Tunísia estão previstas para o final deste ano, mas ainda não têm data marcada, e não está claro se o presidente Kais Saied enfrentará adversários sérios, já que ele pode escolher os membros da comissão eleitoral.

Embora o autoritarismo esteja em alta no país, a Tunísia deve receber até 278 milhões de euros da União Europeia (UE) até 2027 para gestão da migração e, em março, recebeu 150 bilhões de euros em apoio orçamentário. O país é um importante ponto de partida para migrantes que tentam chegar à Europa em barcos para a Itália, na perigosa travessia do Mediterrâneo.

Afora essas questões, a Comissão Europeia manifestou preocupação com a recente onda de detenções na Tunísia. Nesse cenário, um recente incidente de tensão ocorreu com a invasão policial à sede da Ordem dos Advogados, que resultou na prisão de Sonia Dahmani, uma advogada conhecida por suas críticas contundentes ao presidente Saied na televisão. Ela fez comentários sarcásticos duvidando das declarações do presidente sobre migrantes da África Subsaariana quererem se estabelecer na Tunísia.

No ano passado, Saied disse que seu país estava sendo alvo de uma conspiração para mudar sua população, trazendo pessoas da África Subsaariana. Essas declarações dele levaram a ataques violentos contra migrantes.

Por que isso importa?

A instabilidade política na Tunísia se intensificou no final de julho de 2021, quando Saied destituiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi, suspendeu as atividades do Parlamento e concentrou em suas mãos quase todos os poderes do Estado.

Além disso, Saied suspendeu a imunidade parlamentar dos legisladores e assumiu poderes judiciais. No dia 14 de julho, antes de derrubar o governo, ele também ordenou a abertura de uma investigação contra três partidos políticos suspeitos de receberem fundos estrangeiros antes das eleições de 2019, na qual ele saiu vitorioso.

A intervenção de Saied, que colocou em xeque os avanços democráticos do país conquistados desde a Primavera Árabe, em 2011, se segue a anos de crise econômica e inércia política, a que se soma a pandemia de Covid-19 e um processo de vacinação popular lento.

Nos últimos dez anos, o país acumulou problemas. Teve dez primeiros-ministros diferentes, que falharam em combater a corrupção e em estabilizar economicamente o país. Novato na política, o jurista Saied era uma aposta dos tunisianos para mudar a situação. O discurso anticorrupção e a rejeição ao sistema político tradicional permitiram a ele vencer o pleito com mais de 70% dos votos.

No dia 24 de julho de 2021, um dia antes de Saied derrubar o governo, os tunisianos foram às ruas protestar mais uma vez. Veio, então, a queda do primeiro-ministro e a suspensão do Parlamento. Para os partidos de oposição, sobretudo o Ennahda, as ações do presidente configuram um golpe de Estado.

A favor de Saied sempre pesou o apoio do exército, que já agiu para impedir o acesso de deputados e outros representantes populares ao Parlamento. A população desde então se divide entre apoiar e contestar as medidas.

Tags: