Reportagens de TV e rádio sobre conspirações da oposição são proibidas na Tunísia

Segundo o governo, proibição diz respeito apenas à mídia audiovisual e foi ordenada para "proteger a privacidade dos envolvidos"

Os programas de rádio e TV na Tunísia estão proibidos de cobrir casos envolvendo figuras proeminentes da oposição que foram acusadas de conspirar contra a segurança do Estado. A medida levanta preocupações sobre os direitos no país africano desde que o presidente Kais Saied adquiriu poderes adicionais em 2021, governando por decreto e assumindo controle sobre o judiciário. As informações são da agência Al Jazeera.

A decisão foi tomada por um juiz e anunciada pela agência de notícias oficial TAP. De acordo com o porta-voz do tribunal, Hanan el-Qadas, a proibição é específica para os meios de comunicação audiovisuais e tem como objetivo proteger a privacidade das figuras envolvidas nos casos de conspiração contra a segurança do Estado.

A ONG Anistia Internacional (AI) informou que pelo menos 21 dissidentes estão atualmente sob investigação por acusações infundadas de “conspiração”, em um processo iniciado em fevereiro deste ano. De acordo com o grupo de direitos humanos, pelo menos 12 pessoas já foram presas nesse contexto.

Presidente da Tunísia, Kais Saied (Foto: Wikimedia Commons)

Esses indivíduos têm sido publicamente rotulados como “terroristas” e estão sendo acusados de conspirar para atacar o Estado. São investigados com base em 10 artigos do Código Penal da Tunísia, incluindo o “Artigo 72”, que prevê a pena de morte para aqueles que tentarem “mudar a natureza do Estado”, conforme destacado pela AI.

Entre as figuras influentes que estão sendo investigadas como críticas ao governo de Saied destacam-se Rashid Ghannouchi, o líder do Ennahdha, o maior partido político do país, que foi recentemente preso; e Nejib Chebbi, líder da Frente de Salvação Nacional da Tunísia (FSN), uma coalizão de oposição cofundada pelo Ennahdha. Além deles, diversos advogados, jornalistas e ativistas também são alvo da investigação.

De acordo com a ONG Human Rights Watch (HRW), desde dezembro, pelo menos 30 figuras da oposição que são consideradas críticas ao governo da Tunísia foram presas. Esse aumento nas prisões faz parte de uma crescente repressão contra a oposição no país.

Até o momento, tanto o Ministério do Interior quanto o Ministério da Justiça não fizeram comentários públicos sobre as prisões. O presidente Saied rotulou os detidos como terroristas, criminosos e traidores e afirmou que os juízes que os libertarem serão considerados cúmplices.

Em julho de 2021, o presidente Saied demitiu o governo e suspendeu o parlamento, assumindo o controle do país através de decretos e influenciando o judiciário. Essas ações resultaram na prisão de várias pessoas que se opuseram ao seu governo, o que gerou críticas da comunidade internacional e de grupos de direitos humanos.

EUA e Comissão Europeia se manifestam

No último sábado (17), dois senadores dos Estados Unidos propuseram uma legislação para restringir os fundos destinados à Tunísia até que o país restaure suas instituições democráticas.

Por sua vez, a Comissão Europeia propôs um acordo para impulsionar a economia da Tunísia, como parte de uma estratégia para controlar o fluxo de refugiados para a Europa. No entanto, esse acordo levanta preocupações entre os grupos de direitos humanos, pois apoia o governo de Saied e parece negligenciar seus abusos de poder.

No domingo (18), a coalizão de oposição Frente de Salvação da Tunísia organizou um protesto contra as prisões de seus líderes e outros críticos proeminentes do presidente.

Por que isso importa?

A instabilidade política na Tunísia se intensificou no final de julho de 2021, quando Saied destituiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi, suspendeu as atividades do Parlamento e concentrou em suas mãos quase todos os poderes do Estado.

Além disso, Saied suspendeu a imunidade parlamentar dos legisladores e assumiu poderes judiciais. No dia 14 de julho, antes de derrubar o governo, ele também ordenou a abertura de uma investigação contra três partidos políticos suspeitos de receberem fundos estrangeiros antes das eleições de 2019, na qual ele saiu vitorioso.

A intervenção de Saied, que colocou em xeque os avanços democráticos do país conquistados desde a Primavera Árabe, em 2011, se segue a anos de crise econômica e inércia política, a que se soma a pandemia de Covid-19 e um processo de vacinação popular lento.

Nos últimos dez anos, o país acumulou problemas. Teve dez primeiros-ministros diferentes, que falharam em combater a corrupção e em estabilizar economicamente o país. Novato na política, o jurista Saied era uma aposta dos tunisianos para mudar a situação. O discurso anticorrupção e a rejeição ao sistema político tradicional permitiram a ele vencer o pleito com mais de 70% dos votos.

No dia 24 de julho de 2021, um dia antes de Saied derrubar o governo, os tunisianos foram às ruas protestar mais uma vez. Veio, então, a queda do primeiro-ministro e a suspensão do Parlamento. Para os partidos de oposição, sobretudo o Ennahda, as ações do presidente configuram um golpe de Estado.

A favor de Saied sempre pesou o apoio do exército, que já agiu para impedir o acesso de deputados e outros representantes populares ao Parlamento. A população desde então se divide entre apoiar e contestar as medidas.

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