Somália registrou mais de 600 vítimas civis na ofensiva extremista em 2022, diz ONU

Os números atuais representam um aumento de um terço em relação a 2021 e o maior número registrado no país desde 2017

Um levantamento divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) na segunda-feira (14) aponta que 613 civis morreram neste ano na Somália em meio ao aumento das ações do grupo extremista Al-Shabaab, contra quem o governo local realiza atualmente uma grande operação de contraterrorismo.

Os números apresentados pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) indicam que a maioria das pessoas morreu vítimas de dispositivos explosivos improvidas (IEDs, na sigla em inglês) usados pelos insurgentes. São 315 pessoas mortas e 686 feridas nessas circunstâncias.

Entretanto, há casos também de vítimas civis atingidas pelas forças do governo, por milícias armadas aliadas às forças armadas somalis e por outros “atores não identificados”. As mais de 600 mortes representam um aumento de um terço em relação a 2021 e o maior número registrado no país desde 2017.

“Todas as partes no conflito devem cumprir suas obrigações sob o direito humanitário internacional e garantir que os civis sejam protegidos. Isso também inclui elementos armados engajados ao lado do governo no conflito contra o Al-Shabaab, bem como forças internacionais”, disse Volker Türk, chefe de direitos humanos da ONU.

A ONU também acusa o Al-Shabaab de destruir poços usados pela população para buscar água e de envenenar alguns deles na região de Hiraan, justamente em um momento em que os somalis enfrentam dificuldades extremas devido à seca generalizada em muitas partes do país.

O grupo terrorista também destruiu parte da margem do rio Shabelle, com casas, escolas e uma ponte atingidas, além de antenas de telecomunicações desativadas

“Tal destruição arbitrária é repreensível, especialmente dada a difícil situação humanitária, com o fracasso consecutivo de cinco estações chuvosas e deslocamentos em larga escala no país”, disse Türk.

Explosão causada por carros-bomba em Mogadíscio, Somália, outubro de 2022 (Foto: reprodução/Twitter)
Guerra contra o terror

Inclusive, foi neste ano que o país registrou a ação mais violenta do Al-Shabaab desde 2017. No dia 29 de outubro, 121 pessoas morreram após a explosão de dois carros-bomba na capital Mogadíscio. O alvo dos radicais era o Ministério da Educação somali, classificado por eles como uma base inimiga.

Poucas semanas antes, em setembro, o presidente Hassan Sheikh Mohamu havia declarado guerra ao grupo extremista, afirmando que “cada membro do Al-Shabaab é um alvo” em sua grande operação de contraterrorismo.

A luta contra o Al-Shabaab conta com o suporte dos EUA, que recentemente anunciaram o envio de cerca de 500 soldados à Somália. O governo norte-americano havia decidido retirar suas tropas do país durante o governo do presidente Donald Trump, mas Joe Biden reativou a missão.

Por que isso importa?

O Al-Shabaab chegou a controlar Mogadíscio até 2011, quando foi expulso de lá pelas forças da UA. Atualmente, controla territórios nas áreas rurais da Somália e luta para derrubar o governo nacional, tendo inclusive se expandido para a vizinha Etiópia.

O grupo concentra seus ataques no sul e no centro da Somália. As atividades envolvem ataques a órgãos e oficiais do governo e a entidades de ajuda humanitária, além de extorsão contra a população local e proteção de terroristas internacionais que se escondem no país.

Um relatório do International Crisis Group (Grupo de Crise Internacional, em tradução literal), cuja meta é prevenir guerras em todo o mundo, diz que derrotar o Al-Shabaab é uma tarefa complexa devido à quantidade de seguidores em território somali, algo na casa dos cinco mil. Assim, a melhor estratégia para o governo somali seria a negociação

“Combinada com a disfunção e a divisão entre seus adversários, a agilidade dos militantes permitiu que se inserissem na sociedade somali”, diz o documento. “Há um crescente consenso nacional e internacional de que o Al-Shabaab não pode ser derrotado apenas por meios militares”.

O relatório, porém, afirma que a diplomacia não vem sendo considerada pelo governo. “Há pouco apetite entre as elites somalis ou os parceiros internacionais do país para explorar alternativas, principalmente conversas com líderes militantes”. E acrescenta: “A alternativa é mais luta sem um fim à vista”.

O presidente Hassan Sheikh Mohamud deixa claro que a diplomacia de fato não está nos planos, tendo iniciado uma grande ofensiva contra os insurgentes em setembro. Na ocasião, ele comparou a facção a “uma cobra mortal” e disse que “não há solução a não ser matá-la, antes que ela mate você”.

Ao prometer confrontar os insurgentes, ele inclusive alertou a população para que não seja pega no fogo cruzado. “O Al-Shabaab será confrontado usando todos os métodos que a guerra permitir. Eles serão bombardeados, invadidos e submetidos a ataques aéreos. Então, fique longe deles”, disse Mohamud.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista. E, mais recentemente, em outubro de 2022, um associado ao EI, com nacionalidade brasileira e negócios no país, foi sancionado pelos EUA.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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