Terrorismo se expande para além do Sahel e ameaça a costa da África Ocidental

Países como Benin e Togo estudam formas de conter a ameaça jihadista, que tem feito vítimas em cada vez mais nações africanas

Em junho deste ano, a ONU (Organização das Nações Unidas) anunciou que 48% das mortes atribuídas a grupos terroristas em todo o mundo ocorreram na África Subsaariana. Por lá, a região mais afetada pelo extremismo islâmico é o Sahel, um cinturão semiárido de terra que faz fronteira com o Saara ao norte e a savana do Sudão ao sul, incluindo países como Mali, Burkina Faso e Níger, além de áreas de Camarões, República Centro-Africana, Chade, Sudão, Eritreia, Mauritânia e Nigéria. Ultimamente, porém, os insurgentes tem ultrapassado esses limites, gerando o temor de que se instalem também na costa da África Ocidental. As informações são do site The Defense Post.

O foco inicial da epidemia extremista na África, há cerca de dez anos, foi o Mali, que até o começo desta semana contava com a assistência das forças armadas da França para controlar o problema. Os franceses, porém, se retiraram do país, em função de desacertos com o governo militar que assumiu o poder após o golpe de Estado de maio do ano passado.

Sem Paris como parceiro, surgiram dúvidas quanto à capacidade de o governo maliano, supostamente apoiado pelos mercenários russos do Wagner Group, sustentar as conquistas obtidas com o suporte da Operação Barkhane. Essa mesma incerteza atinge agora as nações costeiras, que trabalham para evitar os erros cometidos pelos vizinhos, incapazes de conter o crescimento de grupos ligados ao Estado Islâmico (EI) e à Al-Qaeda na última década.

Membros do grupo jihadista Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS) (Foto: Divulgação)

Um país da costa que já sofre com o terrorismo é o Benin, que registrou cerca de 20 ataques desde o final de 2021. Em fevereiro deste ano, supostos jihadistas mataram oito pessoas, sendo cinco guardas florestais, no Parque Nacional W, perto das fronteiras com Níger e Burkina Faso. Um cidadão francês estava entre os mortos, bem como um militar e um funcionário do parque.

“O que estamos passando é aterrorizante”, disse um militar do Benin destacado para atuar na perigosa região fronteiriça. “Acordamos todas as manhãs sem saber se vamos sobreviver ao dia”.

A onda terrorista que se espalha na África também chegou ao Togo, que até este ano havia sofrido apenas uma tentativa de ataque terrorista, uma ação que as forças de segurança locais conseguiram conter em novembro de 2021.

Em maio deste ano, porém, um ataque realizado por homens fortemente armados terminou com a morte de oito soldados togoleses, perto da divisa com Burkina Faso. A ação foi posteriormente reivindicada pelo Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (GSIM, na sigla em francês), organização extremista sediada no Mali e vinculada à Al-Qaeda.

Estratégias de contraterrorismo

Embora a Operação Barkhane no Mali tenha sido encerrada, Paris planeja manter tropas na África, mas com uma abordagem diferente: oferecer ajuda apenas aos países que a solicitarem. Permanecerão no Sahel africano cerca de 2,5 mil soldados, que atuarão como coadjuvantes, dando o protagonismo aos países anfitriões.

O presidente do Benin, Patrice Talon, já manteve contato com o homólogo francês Emmanuel Macron, pedindo o envio de equipamentos militares, sobretudo drones. A estratégia francesa para as nações costeiras, no entanto, ainda não foi definida.

“A deterioração da situação de segurança em Burkina Faso e no Mali fez do norte dos países costeiros a nova linha de frente contra grupos armados que operam no Sahel”, diz um relatório publicado em abril pela Fundação Konrad Adenauer, um think tank alemão.

A medida inicial dos países ameaçados foi reforçar a segurança na fronteira. Para o think tank marroquino Centro de Políticas para o Novo Sul, no entanto, a estratégia é “ineficaz, como foi no Sahel”, vez que os grupos jihadistas “não são exércitos tradicionais”. “Eles espalham ideias e exploram as queixas das populações-alvo”, diz a entidade.

Jeannine Ella Abatan, do Instituto Pan-Africano de Estudos de Segurança, do Senegal, diz que a situação não é nova. “Desde 2019, estudos sobre o Sahel mostram que grupos extremistas já estavam ligados aos Estados costeiros, seja para apoio logístico ou operacional, mas também para financiamento”, disse ela.

Nessa região, o objetivo inicial dos terroristas não é conquistar territórios e ali se instalar, mas se infiltrar para realizar ataques eventuais. Segundo Abatan, isso só é possível porque as facções extremistas têm boa capacidade de coleta de informações e contam com o apoio da população local.

“As difíceis condições de vida podem facilmente encorajar pessoas desesperadas a entrar nos campos de terroristas”, concordou um agente de polícia beninense que atua em uma área ameaçada.

Tanto que, na semana passada, um vídeo de propaganda jihadista ganhou as redes sociais. Nele, dois homens falando bariba, a língua do norte do Benin, convocam cidadãos para se juntarem a eles, também ameaçando agentes ligados ao governo.

As imagens foram reproduzidas no Twitter por J. Peter Pham, ex-diplomata norte-americano especializado em relações internacionais com foco em assuntos africanos.

Abatan afirma que uma das formas de tentar conter o avanço jihadista é justamente chegar à população necessitada. “O Estado deve responder urgentemente às necessidades dessas pessoas, fazê-las se sentir protegidas pela presença das forças de segurança em vez de deixá-las buscar proteção desses grupos”, afirmou.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, fez o mesmo alerta em junho. “Grupos como Al-Qaeda, Daesh (sigla que remete ao antigo nome do EI) e seus afiliados continuam a crescer no Sahel e a fazer incursões na África Central e Austral. Eles estão explorando vácuos de poder, conflitos interétnicos de longa data, fraquezas internas e fragilidades do Estado”, disse ele.

O Centro de Políticas para o Novo Sul faz análise semelhante e diz que ações de contraterrorismo precisam levar em conta a população mais vulnerável. Diz que, “em uma mudança imediata e dramática de abordagem”, os moradores dessas áreas de fronteira “colaborarão com extremistas para se manterem vivos da melhor maneira possível”.

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