Um cidadão canadense que atuava como propagandista do Estado Islâmico (EI) na internet se declarou culpado durante julgamento em uma corte federal do Estados Unidos, no início deste mês, na cidade de Alexandria, Estado da Virginia. A sentença será anunciada no dia 15 de abril de 2022, e a expectativa é de que o indivíduo seja condenado à prisão perpétua, segundo o jornal The Washington Post.
Mohammed Khalifa, de 38 anos, nasceu na Arábia Saudita e se mudou com a família primeiro para a Itália, depois para o Canadá. O caso é atípico porque o terrorista não é cidadão norte-americano nem praticou qualquer ação terrorista nos Estado Unidos, embora tenha sido julgado lá. Perante o tribunal, ele se disse culpado por produzir material extremista que eventualmente levou à morte de outras pessoas.
Khalifa era o locutor de vídeos em inglês usados pelo EI na internet para recrutar seguidores. Ele diz que começou a se dedicar ao Islamismo somente após o ensino médio, quando iniciou estudos em uma mesquita canadense e passou a buscar conteúdo extremista na internet. Em 2013, foi um vídeo de recrutamento semelhante aos que ele mesmo produziria anos depois que o convenceu a se juntar ao EI na Síria.
No depoimento que prestou à corte, Khalifa diz que chegou a atuar como combatente na Síria e que aparece em um vídeo narrado por ele próprio, no qual terroristas matam militares sírios depois de forçarem as vítimas a cavarem as próprias covas. Por ser fluente em inglês e árabe, o canadense logo deixou de pegar em armas e assumiu a função de tradutor da propaganda do grupo. Mais tarde, assumiu a coordenação de toda a propaganda do EI em inglês.
Khalifa trabalhou na operação de mídia do grupo extremista até o final de 2018, quando voltou a atuar como combatente devido à redução de contingente do EI, que perdeu terreno para as forças curdas na Síria e precisava de mais homens. Em janeiro de 2019, durante combate com soldados das Forças Democráticas Sírias (FDS), o canadense foi ferido e feito prisioneiro, sendo transferido para a custódia dos Estados Unidos em setembro daquele ano.
Por que isso importa?
Nos últimos anos, o EI se enfraqueceu financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo e raramente contra civis. Já as FDS, apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.
De acordo com relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), publicado em julho deste ano, a prioridade do EI atualmente é “o reagrupamento e a tentativa de ressurgir” em seus dois principais domínios, Iraque e Síria, onde ainda mantém cerca de 10 mil combatentes ativos. O documento sugere, ainda, que o grupo teve considerável perda financeira recentemente, devido a dois fatores: as operações antiterrorismo no mundo e a má gestão de fundos por parte de seus líderes.
Paralelamente à derrocada do EI, a pandemia de Covid-19 reduziu o número de ataques terroristas em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do número de pessoas em áreas públicas. Entretanto, grupos jihadistas têm se fortalecido em zonas de conflito, e isso pode causar um impacto na segurança global conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.
Esse cenário permitiu ao EI, particularmente, ganhar uma sobrevida, fazendo uso sobretudo do poder da internet. À medida em que as restrições relacionadas à pandemia diminuem, há uma elevada ameaça de curto prazo de ataques inspirados no grupo fora das zonas de conflito. São ações empreendidas por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.
Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar a retomada de força da organização.