Após meses de relativa calmaria, assegurada por um frágil cessar-fogo firmado entre o governo e grupos rebeldes, a violência voltou com força no leste da República Democrática do Congo (RDC), tendo como protagonista o M23 (Movimento 23 de Março). Caso a situação saia do controle, analistas dizem que ela pode evoluir para um conflito entre países vizinhos. As informações são da rede Deutsche Welle (DW).
A província de Kivu do Norte concentra as hostilidades, que envolvem ainda forças do governo e outros grupos armados. Entre eles os Wazalendo, que ganharam o apoio da população local depois de terem supostamente expulsado o M23 da estratégica cidade de Masisi.
A derrota do poderoso grupo rebelde, entretanto, não é vista necessariamente como algo positivo por analistas, vez que insere um novo ator em um cenário já caótico.
“A nova mudança cria mais problemas para todos nós na África Oriental e na região dos Grandes Lagos”, disse David Matsanga, especialista ugandense em resolução de conflitos. “E é muito, muito preocupante que as pessoas estejam morrendo neste momento.”
A suspeita generalizada é a de que os Wazalendo tenham se aliado ao governo congolês, que por sua vez não confirma a informação. Matsanga ressalta que esse tipo de aliança é comum na África, mas não raro as facções rebeldes sem voltam contra a população depois de ganharem poder.
A aliança, segundo o especialista, expõe um outro problema do país, que é a fragilidade das forças armadas, fragilidade que ficará ainda mais evidente devido à retirada das tropas de paz da ONU, cuja missão no país, a Monusco, acelerou a evacuação das tropas a pedido do presidente Felix Tshisekedi.
“Não existe exército na RDC. É apenas um grupo de pessoas que estão fragmentadas e com um moral muito baixo. Não têm armas para reagir. Não têm formação suficiente”, avaliou o especialista, crítico também da Monusco, que segundo ele “nunca conquistou um único banheiro que fosse seguro para os congoleses.”
Em tal cenário turbulento e imprevisível, um fator que gera particular apreensão é a desavença entre vizinhos que pode escalar para um conflito regional. Isso porque os congoleses alegam há anos que Ruanda apoia o M23.
“O risco de confronto direto entre a RDC e Ruanda, que continuam a se acusar mutuamente de apoiar grupos armados inimigos, continua muito real”, disse na semana passada Huang Xia, enviado especial do secretário-geral da ONU (Organização dos Grandes Lagos) à região dos Grandes Lagos.
Por que isso importa?
O M23 era inicialmente uma milícia formada por tutsis da RDC e então apoiada pelos governos de Ruanda e Uganda. Em 23 de março de 2009, a milícia assinou um acordo de paz com o governo congolês e acabou incorporada ao exército nacional.
Entretanto, em 2012, os rebeldes se ergueram novamente contra o governo, acusado de não cumprir sua parte no acordo assinado três anos antes. Nasceu, assim, o M23, em referência à data em que foi firmado o controverso pacto.
A tensão entre a milícia e o exército chegou ao ápice em novembro daquele ano, quando o M23 assumiu o comando da cidade de Goma, no leste congolês. Porém, o grupo aceitou um novo acordo de paz, estabelecendo-se um cessar-fogo.
No final de 2021, o M23 reergueu suas armas e retomou os confrontos com o governo central, a ponto de o Conselho de Segurança da ONU afirmar que a milícia é uma “séria ameaça à paz, segurança e estabilidade na região”.
O M23 é suspeito, inclusive, de envolvimento na queda de um helicóptero que matou oito integrantes da Monusco, a missão de paz da ONU na RD Congo, em 28 de março de 2022. A aeronave transportava seis boinas-azuis do Paquistão, um da Rússia e outro da Sérvia e desapareceu enquanto fazia uma missão de reconhecimento perto da fronteira com Uganda e Ruanda.