Vítimas de abuso sexual na guerra civil, mulheres cometem suicídio no Sudão

Relatos nas redes sociais sugerem dezenas de casos de vítimas que tiraram a própria vida, e ONG diz ter confirmado três deles

As atrocidades do conflito civil no Sudão, que envolvem violência sexual, têm levado mulheres a cometer suicídio no estado de al-Jazira. A denúncia foi feita por grupos humanitários e ativistas, com as informações reproduzidas pela rede BBC.

Hala al-Karib, chefe da ONG Iniciativa Estratégica para as Mulheres no Chifre de África (Siha, na sigla em inglês), diz que confirmou três casos de sudanesas que tiraram a própria vida para evitar abusos. Outras seis mulheres com quem a entidade conversou disseram que cogitam fazer o mesmo.

A entidade atribui a responsabilidade pelos abusos às Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), grupo paramilitar que faz oposição às Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês) na guerra civil que assola o país.

A escalada da violência no Sudão dura mais de um ano e meio e está repleta de denúncias de atrocidades por parte dos dois grupos. Desde que os conflitos começaram em abril de 2023, mais de 11 milhões de sudaneses fugiram de suas casas, sendo que três milhões seguiram para nações vizinhas. É a maior crise de deslocamentos do mundo, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).

Família no centro de trânsito do Acnur, perto do Sudão do Sul (Foto: Acnur/Charlotte Hallqvist)

Em setembro, a ONU Mulheres afirmou que o total de pessoas precisando de serviços de atendimento para casos de violência de gênero aumentou em 100% para 6,7 milhões até dezembro. Estima-se que o número seja ainda maior atualmente.

“Até 5,8 milhões de deslocadas internas estão em situação de fragilidade, considerando o crescimento de casos de abusos não relatados devido à falta de apoio adequado e ao medo de estigma e retaliação”, disse a ONU na ocasião.

Nas redes sociais há inúmeros relatos de mulheres que teriam cometido suicídio em função dos abusos ou após as mortes dos maridos. As organizações humanitárias e os ativistas, no entanto, dizem que é impossível investigar todos eles.

Em relatório divulgado nesta semana, a ONU diz que documentou, até julho deste ano, cerca de 400 casos de mulheres que teriam sofrido violência sexual relacionada ao conflito. E a suspeita é de que o número real seja muito maior, considerando a impossibilidade de apuração de muitos episódios.

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito civil que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.

As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tem entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan lidera um efetivo de cerca de 200 mil.

No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.

O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.

Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.

A terrível situação gera uma grave escassez de suprimentos essenciais, já que as entregas de produtos comerciais e de ajuda humanitária foram fortemente restringidas pelos combates e pelos desafios de acesso ao território controlado pelas RSF.

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