Alojamentos precários levam a interdição de obra da BYD, com resgate de operários em Camaçari

Camas sem colchões, banheiros insuficientes e retenção de salários expõem irregularidades em canteiro da montadora chinesa na Bahia

Uma operação realizada no canteiro de obras da fábrica da chinesa BYD em Camaçari, na Bahia, revelou um cenário alarmante de precariedade. Nos alojamentos, operários dormiam em camas sem colchões ou sobre pedaços de espuma, conviviam com banheiros insuficientes e realizavam refeições em locais insalubres. A obra foi parcialmente interditada, e os alojamentos só poderão voltar a funcionar após a regularização das condições, de acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Na ação, 163 trabalhadores foram resgatados por estarem submetidos a condições análogas à escravidão, incluindo retenção de salários e passaportes, jornadas abusivas e dificuldades para romper os contratos sem prejuízo financeiro. Os operários aguardam a rescisão contratual e a regularização de seus direitos enquanto seguem nos alojamentos interditados.

Nos alojamentos fiscalizados, distribuídos em duas ruas de Camaçari, as condições eram degradantes. Em alguns quartos, os trabalhadores precisavam acordar às 4h da manhã para formar fila nos banheiros, compartilhados entre mais de 30 pessoas. Não havia separação por gênero nem manutenção adequada.

As cozinhas improvisadas dividiam espaço com materiais de construção, e alimentos eram armazenados perto de banheiros, sem refrigeração adequada. As refeições, por vezes, eram feitas nos próprios dormitórios por falta de refeitórios adequados.

“A obra apresentava múltiplas irregularidades relacionadas ao ambiente de trabalho, levando ao embargo das atividades de escavações profundas e à interdição parcial de estabelecimento”, diz o MPT em seu site. “As condições encontradas nos alojamentos revelaram um quadro alarmante de precariedade e degradação.” 

Veículos da montadora chinesa BYD (Foto: divulgação/Creative Commons)

O ambiente de trabalho no canteiro da fábrica também apresentou falhas graves. Banheiros químicos para 600 operários estavam em péssimas condições, e as refeições eram servidas sem higiene mínima. Além disso, os trabalhadores enfrentavam exposição direta ao sol, jornadas de até dez horas e falta de folgas regulares.

Uma audiência foi marcada para o dia 26 de dezembro, quando a BYD e a terceirizada Jinjiang terão que apresentar um plano para corrigir as irregularidades. A retomada das atividades dependerá do cumprimento das exigências feitas pelos órgãos de fiscalização.

A expansão chinesa na América Latina e o impacto nas condições trabalhistas

As denúncias envolvendo a fábrica da BYD na Bahia não são caso isolado. Desde o início do século 21, a presença chinesa na América Latina tem crescido de forma acelerada, especialmente por meio de investimentos em infraestrutura e energia. Contudo, junto das oportunidades econômicas surgem preocupações relacionadas ao desrespeito aos direitos trabalhistas, tanto de trabalhadores locais quanto dos próprios operários chineses deslocados para a região.

Li Qiang, diretor-executivo da organização China Labor Watch, alertou em junho de 2023, em entrevista à reportagem de A Referência, que práticas como confisco de passaportes, trabalho forçado e tráfico de pessoas têm sido relatadas em projetos chineses no exterior. Segundo ele, essas ações não apenas violam a dignidade dos trabalhadores, mas também afetam negativamente os padrões trabalhistas nos países anfitriões, criando ambientes de competição desleal entre operários locais e chineses.

O caso da BYD no Brasil reflete um padrão observado em outras partes do mundo, como a Indonésia, onde greves recentes foram marcadas por confrontos violentos em fábricas controladas por empresas chinesas. Relatos de abusos, condições precárias e tratamento humilhante têm levado a reações por parte de autoridades locais e organizações de direitos humanos, que pedem fiscalização rigorosa e responsabilização das companhias envolvidas.

Em novembro, a China Labor Watch reatou outro episódio, na Sérvia, onde pessoas empregadas em projetos ligados à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) vivem sob condições de trabalho exploratórias e em desacordo com padrões internacionais de direitos humanos.

As investigações concentraram-se em duas empresas chinesas: a mineradora Zijin e a fábrica de pneus Linglong. Segundo o relatório, os trabalhadores são originários de países como ÍndiaNepal e Zâmbia e enfrentam situações que violam as normas internacionais.

Como no Brasil, muitos dos trabalhadores das empresas na Sérvia têm seus passaportes confiscados assim que chegam ao país, e a eles são impostas taxas de recrutamento que variam entre US$ 1,4 mil US$ 4,8 mil, o que pode representar até um ano e meio de salário.

Ao analisar o caso sérvio, a China Labor Watch reforça que as violações refletem não apenas práticas locais, mas uma extensão de abusos identificados sobretudo em outros projetos inseridos na BRI, da qual o Brasil não participa. O relatório ainda denuncia a falta de fiscalização por parte das autoridades sérvias e chinesas, além de lacunas regulatórias internacionais, que perpetuam o problema.

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