Denúncias de maus-tratos e abusos trabalhistas na fábrica da BYD no Brasil geram mobilização política e investigação

Acusada de desrespeitar leis nacionais e internacionais na construção de sua fábrica na Bahia, montadora chinesa é questionada por parlamentares e ativistas

As denúncias de maus-tratos e condições de trabalho insalubres na construção da nova fábrica da montadora chinesa BYD em Camaçari, na Bahia, têm mobilizado autoridades brasileiras e gerado questionamentos no Congresso Nacional. Segundo reportagem da Agência Pública e informações do Ministério Público do Trabalho (MPT), operários chineses terceirizados enfrentam jornadas de até 12 horas diárias sem folga semanal e, em alguns casos, sem acesso a água potável.

O deputado Junio Amaral (PL/MG) apresentou dois requerimentos solicitando esclarecimentos aos ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da Casa Civil, Rui Costa, sobre as providências tomadas pelo governo em relação às denúncias. O parlamentar questiona se o Ministério do Trabalho e Emprego realizou fiscalizações in loco e se há registros de outras denúncias semelhantes envolvendo empresas chinesas no Brasil.

Além disso, o parlamentar mencionou uma investigação iniciada pelo MPT em novembro, após as primeiras denúncias chegarem ao conhecimento das autoridades em setembro. Uma inspeção no local foi realizada em 11 de novembro, constatando irregularidades que incluem jornadas abusivas e possíveis atos de violência contra os trabalhadores.

Veículos da montadora chinesa BYD (Foto: divulgação/Creative Commons)

“Não podemos admitir em momento algum qualquer aval ou licença para que empresas estrangeiras se instalem no Brasil para deliberadamente violar nossa legislação trabalhista e até mesmo normas internacionais de trabalho diante de explorações nas jornadas trabalhistas, ambientes insalubres e até mesmo atos violentos”, diz o texto assinado por Amaral.

BYD se pronuncia e governo é pressionado

Diante da repercussão, a BYD afirmou ter tomado medidas internas e enviado à China os responsáveis pelos abusos. Contudo, parlamentares e entidades de direitos trabalhistas consideram a resposta insuficiente, cobrando ações concretas para proteger os direitos dos operários envolvidos.

Amaral também questiona o envolvimento da Casa Civil, destacando o encontro entre Rui Costa, representantes da BYD e o governador da Bahia. “Precisamos saber quais pedidos foram formalmente feitos ao governo federal e quais providências estão em andamento para resolver o escândalo”, afirma ele no requerimento.

Condições precárias e violação de direitos

As denúncias indicam que os trabalhadores chineses estão sujeitos a um regime de trabalho que viola tanto a legislação trabalhista brasileira quanto normas internacionais. De acordo com a Agência Pública, relatos mencionam agressões físicas e psicológicas no canteiro de obras, além de uma completa falta de estrutura para garantir a dignidade no trabalho.

Organizações de direitos humanos e sindicatos estão acompanhando o caso e pedem uma fiscalização rigorosa. “É inadmissível que empresas estrangeiras operem em nosso país desrespeitando direitos básicos e tratados internacionais de trabalho”, declarou uma fonte ligada às investigações.

Fiscalização e apuração em curso

O MPT segue com a investigação, mas, até o momento, o governo federal ainda não apresentou medidas concretas. O Ministério do Trabalho e do Emprego foi questionado sobre outras fiscalizações em empresas chinesas no Brasil e eventuais tratativas com o Itamaraty para apurar o caso.

A repercussão do escândalo levanta questionamentos sobre a transparência das relações entre grandes empresas estrangeiras e o governo brasileiro, além da efetividade das ações de fiscalização no cumprimento das leis trabalhistas.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recebe representantes da BYD Brasil no Palácio da Alvorada. janeiro de 2024 (Foto: Ricardo Stuckert/PR/divulgação)
A expansão chinesa na América Latina e o impacto nas condições trabalhistas

As denúncias envolvendo a fábrica da BYD na Bahia não são caso isolado. Desde o início do século 21, a presença chinesa na América Latina tem crescido de forma acelerada, especialmente por meio de investimentos em infraestrutura e energia. Contudo, junto das oportunidades econômicas surgem preocupações relacionadas ao desrespeito aos direitos trabalhistas, tanto de trabalhadores locais quanto dos próprios operários chineses deslocados para a região.

Li Qiang, diretor-executivo da organização China Labor Watch, alertou em junho de 2023, em entrevista à reportagem de A Referência, que práticas como confisco de passaportes, trabalho forçado e tráfico de pessoas têm sido relatadas em projetos chineses no exterior. Segundo ele, essas ações não apenas violam a dignidade dos trabalhadores, mas também afetam negativamente os padrões trabalhistas nos países anfitriões, criando ambientes de competição desleal entre operários locais e chineses.

O caso da BYD no Brasil reflete um padrão observado em outras partes do mundo, como a Indonésia, onde greves recentes foram marcadas por confrontos violentos em fábricas controladas por empresas chinesas. Relatos de abusos, condições precárias e tratamento humilhante têm levado a reações por parte de autoridades locais e organizações de direitos humanos, que pedem fiscalização rigorosa e responsabilização das companhias envolvidas.

Abusos contra estrangeiros na Sérvia

Em novembro, a China Labor Watch reatou outro episódio, na Sérvia, onde pessoas empregadas em projetos ligados à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) vivem sob condições de trabalho exploratórias e em desacordo com padrões internacionais de direitos humanos.

As investigações concentraram-se em duas empresas chinesas: a mineradora Zijin e a fábrica de pneus Linglong. Segundo o relatório, os trabalhadores são originários de países como Índia, Nepal e Zâmbia e enfrentam situações que violam as normas internacionais.

Muitos dos trabalhadores têm seus passaportes confiscados assim que chegam ao país, e a eles são impostas taxas de recrutamento que variam entre US$ 1,4 mil US$ 4,8 mil, o que pode representar até um ano e meio de salário.

“Isso os coloca em uma posição de vulnerabilidade, presos a seus empregadores para pagar dívidas acumuladas, configurando uma forma de servidão por dívida, de acordo com a definição da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”, aponta o relatório da ONG.

Ao analisar o caso sérvio, a China Labor Watch reforça que as violações refletem não apenas práticas locais, mas uma extensão de abusos identificados sobretudo em outros projetos inseridos na BRI. O relatório ainda denuncia a falta de fiscalização por parte das autoridades sérvias e chinesas, além de lacunas regulatórias internacionais, que perpetuam o problema.

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