Biden cita ameaça à segurança e proíbe nos EUA antivírus russo usado pelas Forças Armadas do Brasil

Kaspersky Lab, que tem contrato com o Ministério da Defesa brasileiro, é visto em Washington como uma possível ferramenta de Moscou

O presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou na quinta-feira (20) a proibição de venda no país do antivírus produzido pela empresa russa Kaspersky Lab, que tem um contrato para fornecer o mesmo programa ao Ministério da Defesa do Brasil. O governo norte-americano alegou riscos significativos de segurança ao justificar a medida. As informações são da agência Reuters.

“A Rússia mostrou que tem a capacidade e a intenção de explorar empresas russas como a Kaspersky para coletar e transformar em armas as informações pessoais dos americanos, e é por isso que somos obrigados a tomar as medidas que estamos tomando hoje”, disse a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo.

O temor do governo norte-americano é o de que a companhia use o programa para invadir os sistemas que o hospedam, tendo assim acesso a informações confidenciais. Poderia inclusive instalar malware nas máquinas que teoricamente protege, impedindo atualizações críticas de segurança. Hoje, os EUA usam o antivírus em setores diversos, inclusive de infraestrutura crítica.

Questionada, a Kaspersky negou qualquer vínculo com o governo russo, afirmou que seus programas não ameaçam a segurança nacional e que a decisão do governo Biden baseia-se exclusivamente “no atual clima geopolítico e nas preocupações teóricas, e não numa avaliação abrangente da integridade dos produtos e serviços” da empresa.

Joe Biden, presidente dos EUA (Foto: Gage Skidmore/WikiCommons)

Em março de 2022, a Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC, na sigla em inglês) já havia proibido a presença da Kaspersky em sistemas governamentais norte-americanos. Em comunicado divulgado à época, o órgão equiparou o risco representado pela empresa russa ao de duas companhias chinesas: China Telecom Americas Corp. e China Mobile International USA Inc.. A medida de Biden, que entra em vigor em 29 de setembro, torna o veto mais amplo.

“Nunca daríamos a uma nação adversária as chaves de nossas redes ou dispositivos, então é uma loucura pensar que continuaríamos a permitir que software russo com o acesso mais profundo possível a dispositivos fosse vendido aos americanos”, disse na quinta o senador democrata Mark Warner, presidente do Comitê de Inteligência do Senado norte-americano.

Brasil sob ameaça?

No Brasil, a Kaspersky anunciou em setembro de 2017 um acordo com o Ministério da Defesa para fornecer soluções de segurança digital às Forças Armadas. Na ocasião, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que o contrato tinha validade de três anos, totalizava R$ 8,4 milhões e previa que Exército, Marinha e Aeronáutica usassem o antivírus corporativo da companhia. O vínculo foi posteriormente renovado.

A parceria foi questionada por especialistas, que alertaram para os riscos que ela representa à segurança nacional, justamente o argumento agora usado por Biden. Em novembro do ano passado, a questão foi citada em relatório do think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), com sede em Washington.

Embora focado na influência crescente da China na América Latina, o documento destacou a presença da Kaspersky no sistema das Forças Armadas brasileiras.

“Os militares brasileiros renovaram seu contrato com a empresa russa Kaspersky Lab para fornecer serviços de segurança cibernética no verão (do Hemisfério Norte) de 2022, enquanto a guerra na Ucrânia estava em andamento e no momento em que a empresa era considerada um risco à segurança nacional pela Comissão Federal de Comunicações dos EUA”, diz o documento.

Por conta do relatório, a reportagem de A Referência conversou no ano passado com Ryan C. Berg, um dos autores. Diretor do Programa das Américas do CSIS, ele é especialista nas relações EUA-América Latina, em regimes autoritários, conflitos armados, competição estratégica e questões comerciais e de desenvolvimento.

Berg, que já viveu no Brasil, afirmou que os sistemas digitais brasileiros podem estar ao alcance do Kremlin devido à parceira.

“Existe um alto risco de que a presença da Kaspersky nos sistemas das Forças Armadas brasileiras coloque informações confidenciais em perigo”, disse ele na oportunidade. “Embora não esteja claro quais serviços exatos a Kaspersky fornece aos militares brasileiros, a proposta inicial afirmava que 120 mil computadores seriam instalados com software Kaspersky.”

Ao justificar sua advertência, ele destacou o aumento da pressão imposta por Moscou à iniciativa privada durante a guerra, inclusive com ativos de empresas estrangeiras confiscados porque suas nações de origem apoiam a Ucrânia. Mesmo companhias russas estão ameaçadas.

“Há poucas salvaguardas contra o risco de o governo russo exigir que a Kaspersky entregue dados que armazena sobre ‘segurança nacional’”, disse Berg. “As informações que a Kaspersky seria capaz de fornecer, no entanto, dependeriam dos tipos de serviços e software que a empresa forneceu às Forças Armadas brasileiras. Mas é provavelmente bastante substancial, dados os mais de seis anos de trabalho da Kaspersky para as Forças Armadas brasileiras.”

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