A visita do presidente chinês Xi Jinping ao Peru nesta semana, para a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), marca um momento simbólico na relação entre o país asiático e a América Latina. Durante o evento, ele inaugurará o porto de águas profundas de Chancay, um projeto de US$ 3,6 bilhões que reflete o impacto significativo dos investimentos chineses na região nas últimas duas décadas. Contudo, este grande empreendimento também pode ser um dos últimos de sua espécie, à medida que Beijing ajusta sua estratégia de expansão internacional. As informações são da revista Foreign Policy.
Nos últimos anos, a China redirecionou seus recursos para áreas como tecnologia 5G, energia renovável e veículos elétricos, abandonando progressivamente os projetos de infraestrutura pesada que caracterizaram sua relação inicial com a América Latina.
Essa mudança de foco reflete os desafios econômicos internos enfrentados por Beijing, incluindo uma desaceleração do crescimento, uma crise imobiliária e um endividamento crescente. Ainda assim, os investimentos prosseguem e são bem recebidos, especialmente em setores de alta tecnologia.
“Os chineses se tornaram melhores em se envolver por meio de ofensivas de charme com seus embaixadores carismáticos”, diz Benjamin Creutzfeldt, estudioso da China. “Eles aprenderam a lidar com seus colegas de forma eficaz.”
O Brasil, como maior economia da região, tem atraído especial atenção de investidores chineses em setores tecnológicos. A Huawei, por exemplo, é uma das principais fornecedoras de infraestrutura para redes 4G e 5G no país, fortalecendo sua presença no mercado.
A empresa chinesa, entretanto, enfrenta resistências. Especialistas em segurança cibernética destacam que a presença chinesa nesse setor pode criar vulnerabilidades para governos e empresas locais. Essas preocupações são amplificadas em um contexto de crescente tensão geopolítica entre China e Estados Unidos.
Enquanto a China avança em setores inovadores, projetos de infraestrutura essencial que seguem o padrão antigo da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) também enfrentam problemas.
Na usina hidrelétrica Coca Codo Sinclair, no Equador, financiada e construída pela China, mais de 17 mil rachaduras foram detectadas após sua inauguração em 2016, tornando-se um exemplo negativo da iniciativa chinesa. Além das falhas técnicas, o país sul-americano enfrenta uma dívida significativa com Beijing, gerando preocupações sobre a dependência financeira e alertas para o lado chinês.
“A China corre o risco de não receber seu dinheiro de volta”, explica Axel Dreher, professor da Universidade de Heidelberg.
“Apoiar esses megaprojetos, que não geram grandes retornos, em países endividados, não é necessariamente uma boa estratégia de negócios”, concorda Leland Lazarus, diretor associado de segurança nacional do Instituto Jack D. Gordon de Políticas Públicas da Universidade Internacional da Flórida.
Embora esses projetos apresentem riscos, a transição para investimentos em setores mais modernos está transformando a dinâmica regional. Em 2022, 58% dos recursos chineses foram direcionados a tecnologias como telecomunicações e veículos elétricos. A fabricante BYD, por exemplo, iniciou a construção de fábricas no Brasil, consolidando sua presença no mercado de carros elétricos.
A reestruturação da estratégia chinesa reflete também uma mudança na quantidade de recursos alocados à região. Registra-se, assim, uma queda significativa no volume de investimento: de uma média de US$ 14,2 bilhões anuais na década passada para apenas US$ 6,4 bilhões em 2022.
“Como a China tem menos capital geral para alocar, ela tenta fazer isso de uma forma mais estratégica”, disse Margaret Myers, diretora do programa Ásia e América Latina do centro de estudos e políticas públicas Diálogo Interamericano, sediado em Washington.
Apesar das críticas e dos ajustes de estratégia, a China permanece como um parceiro indispensável para muitos países latino-americanos. Segundo o jornal South China Morning Post, Beijing agora busca reforçar sua presença em setores como energia limpa, com grandes investimentos previstos para a região, enquanto reduz riscos financeiros de empreendimentos de infraestrutura tradicional.
Essa abordagem mais seletiva também reflete o interesse em consolidar sua influência diplomática e tecnológica, ao mesmo tempo em que responde às suas próprias limitações econômicas.
“Existe essa sensação de que [a infraestrutura] precisa ser feita, seja a China quem a fará ou não”, afirma Margaret Myers.