Em vitória de Moscou, STF recusa pedido dos EUA para extradição de espião russo preso no Brasil

Sergey Vladimirovich Cherkasov seguirá preso no Brasil, embora o pedido de extradição feito pela Rússia tenha sido aprovado

O STF (Superior Tribunal Federal) rejeitou na quinta-feira (27) um pedido feito pelo governo dos Estados Unidos para extradição de Sergey Vladimirovich Cherkasov, espião russo que está preso no Brasil após ter sido detido com documentos falsos no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, em abril do ano passado. O Ministério da Justiça emitiu um comunicado informando a decisão.

O STF argumentou que já havia aceitado um pedido de extradição feito pela Rússia, este baseado em um suposto mandado de prisão que existiria contra ele por lavagem de dinheiro. Portanto, não poderia acatar solicitação idêntica de outro país.

“Já no tocante ao pedido dos Estados Unidos, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) do MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) considerou improcedente, uma vez que o acusado já possui pedido de extradição homologado pelo STF”, diz o comunicado.

O texto também aborda a ação da Rússia. “No que tange à solicitação russa, o Supremo Tribunal Federal homologou, em 17 de março de 2023, a declaração de entrega voluntária de Serguey Vladimirovich Cherkasov, tendo seu trânsito em julgado ocorrido em 11 de abril de 2023. Contudo, a execução deste pedido está suspensa em face do art. 95 da Lei nº 13.445/2017”.

O russo Sergey Vladimirovich Cherkasov, que usava a falsa identidade brasileira de Victor Muller Ferreira: suspeito de ser um espião russo (Foto: reprodução/redes sociais)

Ou seja, Moscou terá que esperar o desenvolvimento do processo legal em curso no Brasil, que rendeu ao espião uma pena de 15 anos de reclusão por falsidade ideológica.

“Quando o extraditando estiver sendo processado ou tiver sido condenado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extradição será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da pena, ressalvadas as hipóteses de liberação antecipada pelo Poder Judiciário e de determinação da transferência da pessoa condenada”, diz o texto da lei.

Através do Twitter, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, confirmou que a extradição para a Rússia não acontecerá imediatamente.

A caminho da Rússia?

No que depender de Cherkasov, a extradição para a Rússia surge como uma opção mais interessante, embora a possível pena por lá seja superior aos 15 anos que cumpre na Penitenciária Federal de Brasília por falsidade ideológica. Tudo indica que o mandado de prisão russo seja apenas uma estratégia de Moscou para reaver o espião.

O advogado do russo, no início do processo de primeira instância, chegou a pedir que o cliente fosse transferido da Polícia Federal (PF) em São Paulo, onde estava detido, para o Consulado da Rússia. Ele ficaria detido ali sob a promessa de comparecer aos procedimentos legais estabelecidos, mas a justiça brasileira recusou o pedido.

A situação lembra a do empresário russo Artem Uss, preso em outubro de 2022 na Itália a pedido da justiça norte-americana. Na ocasião, um tribunal de Moscou emitiu um mandado de prisão que mais tarde mostrou-se fajuto. A medida visava a impedir a extradição para os EUA recém-aprovada por uma corte de Milão. Mais tarde, Uss fugiu das autoridades italianas e hoje está de volta à Rússia.

Já o pedido norte-americano por Cherkasov, de acordo com o jornal The Washington Post, baseou-se no fato de que ele passou uma temporada nos EUA supostamente como estudante estrangeiro, mas com o verdadeiro objetivo de conduzir operações de espionagem.

A tentativa norte-americana de obter a custódia surge em meio ao caso do jornalista Evan Gershkovich, preso na Rússia sob a acusação de espionagem. Com a tensão crescente entre Washington e Moscou, os dois lados parecem acumular ativos para futuras trocas de prisioneiros, e Cherkasov seria um importante ativo para tentar libertar o profissional de imprensa.

A história do espião

Cherkasov, então identificado como Victor Muller Ferreira, chegou ao aeroporto de Guarulhos no dia 2 de abril de 2022, proveniente de Amsterdã, na Holanda. A entrada dele no país europeu havia sido vetada por irregularidades com a documentação. Detido no desembarque em São Paulo, teve a prisão preventiva decretada no dia seguinte pela Justiça brasileira, acusado de falsidade ideológica por portar documentos com dados falsos.

Àquela altura, as autoridades do Brasil já sabiam que o indivíduo em questão era na verdade um espião russo. Ele assumiu a identidade falsa provavelmente em 2011, quando existe o último registro de entrada de Cherkasov no Brasil, mas nenhum registro de saída. No período em que esteve aqui, regularizou toda a situação documental. Tinha carteira nacional de habilitação (CNH), cédula de identidade, certificado de dispensa militar e dois passaportes brasileiros.

Uma das inconsistências na falsa identidade criada pelo espião russo está relacionada à suposta mãe, Juraci Eliza Muller. Ela é de fato uma cidadã brasileira falecida, mas parentes dizem que jamais teve filhos. Tal informação também não consta da certidão de óbito da “mãe”, que Victor carregava com ele quando foi preso. É comum, porém, que tal documento indique se a pessoa morta deixou herdeiros.

Em seu depoimento, o homem detido em Guarulhos disse que Juraci morreu quando ele tinha dois anos e que, por isso, não tinha lembrança dela. Diz que deixou o Brasil rumo à Argentina com dois anos e lá foi criado por uma tia-avó, identificada como Pilar Palácio.

A polícia do Brasil estranhou o fato de o homem não carregar nenhum documento argentino, embora tenha dito que viveu no país sul-americano por cerca de 20 anos. Por outro lado, carregava diversos documentos brasileiros e também irlandeses e norte-americanos, de quando viveu e estudou nesses dois países.

A CNH igualmente ajudou a derrubar o disfarce. O documento de posse de Victor no desembarque em Guarulhos exibia uma foto dele mesmo. Já no sistema do governo brasileiro, a foto tirada quando o documento original foi expedido é de uma pessoa diferente. Há, nesse caso, duas hipóteses: o espião assumiu a identidade de outro brasileiro ou uma terceira pessoa fez o pedido da CNH em nome de Victor Muller Ferreira.

Quando foi barrado na Holanda, o espião se dirigia ao país para cumprir um contrato de estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. Ali, a provável missão era acessar informações de interesse de Moscou, que na ocasião já havia iniciado a guerra na Ucrânia e por isso estava na mira da corte, que mais tarde emitiu um mandado de prisão contra o presidente Vladimir Putin por crimes de guerra.

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