Hungria trava ampliação da Otan, esnoba os EUA e fortalece laços com a China

Governo húngaro, que ignorou a visita de senadores norte-americanos, vem debatendo um pacto de segurança com Beijing

O aval da Hungria é tudo que falta para a Suécia ser finalmente aceita na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Embora o primeiro-ministro Viktor Orbán tenha dito que o “sim” pode vir já no dia 26 de fevereiro, segundo a rede CNN, isso não é sinal de alinhamento com o Ocidente liderado pelos EUA. Ao contrário, os dois membros da aliança parecem cada vez mais distantes, com Budapeste dando clara preferência a seu relacionamento com a China.

Hungria e China mantêm uma parceira antiga, mas ela se limita a questões comerciais. Beijing, porém, já sinalizou que pretende ir além, propondo um tratado de segurança. A questão foi debatida durante a visita do ministro da Segurança Pública chinês, Wang Xiaohong, a Budapeste na semana passada.

De acordo com a agência estatal de notícias chinesa Xinhua, no encontro com Orbán, Wang sugeriu que os dois países “aprofundem a cooperação em áreas que incluem o combate ao terrorismo, o combate aos crimes transnacionais, a segurança e o reforço da capacidade de aplicação da lei no âmbito da Nova Rota da Seda, para tornar a cooperação na aplicação da lei e na segurança um novo destaque das relações bilaterais.”

O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán: mais distante do Ocidente (Foto: consilium.europa.eu)

Se o ministro chinês foi bem recebido, a cordialidade não se estendeu a uma comitiva bipartidária de senadores norte-americanos que foi esnobada pelo governo húngaro. Os políticos viajaram para debater o aval à Suécia na Otan, mas não foram sequer recebidos, de acordo com o jornal The New York Times.

O senador republicano Chris Murphy, um dos membros da comitiva, classificou a atitude do governo da Hungria como “estranha e preocupante”. Já a democrata Jeanne Shaheen se disse “desapontada” porque nenhum membro do governo local se dispôs a receber os visitantes.

De acordo com a agência Reuters, esses desdobramentos são vistos por Beijing como uma importante vitória, pois posicionam melhor o país dentro da União Europeia (UE), bloco do qual a Hungria é parte. E sinalizam um desequilíbrio na Otan, que o governo chinês já classificou como instrumento de influência dos EUA e “fonte de conflito” onde quer que tenha se estabelecido.

Se a parceria no setor de segurança seria uma novidade animadora para a China, comercialmente os laços já são bastante sólidos. Segundo o jornal South China Morning Post, o país europeu, membro da Otan desde 1999 e da UE desde 2004, abriga a maior base logística e industrial da Huawei fora da China, o que gerou um alerta por parte do bloco europeu, que vê a empresa como uma ameaça à segurança.

E o vínculo comercial deve se ampliar em breve, com a montadora BYD confirmando que sua primeira fábrica europeia será justamente na Hungria. Isso ficou acertado no mais recente fórum da Nova Rota da Seda em Beijing, sendo Orbán o único líder de uma nação da UE presente.

Nesse quesito, o Ocidente definitivamente não consegue desafiar a China. Nem a presença na UE parece tão importante para Budapeste quanto o apoio financeiro do presidente Xi Jinping.

“A Europa enfrentou a realidade, a economia chinesa simplesmente excedeu a dos europeus”, disse o ministro húngaro das Relações Exteriores, Peter Szijjarto, em sua página pessoal no Facebook. “Os investimentos chineses modernos são a chave para o crescimento a longo prazo da economia húngara.”

Aliança com Moscou

A Rússia também tem se beneficiado das decisões de Orbán, que colaborou com o regime de Vladimir Putin ao atrasar um pacote de ajuda financeira à Ucrânia. O premiê resistiu o quanto pôde, mas acabou cedendo no final de janeiro, quando Budapeste finalmente retirou o veto que impedia a entrega de 50 bilhões de euros a Kiev.

Ainda assim, ele considerou sua posição reticente uma vitória, alegando que um mecanismo de revisão foi atrelado ao pacote de financiamento, garantindo o que chamou de “uso racional dos fundos”.

O jornal Financial Times diz que Orbán também colaborou com Moscou e Beijing ao bloquear um pacote de sanções da UE que seria imposto antes do aniversário de dois anos da guerra, no dia 24 de fevereiro. Os alvos seriam 200 indivíduos e entidades russos e chineses acusados de ligação com a guerra.

O que teria motivado o veto de Budapeste, entretanto, não seria a Rússia, e sim a presença de empresas da China na lista de alvos, segundo uma fonte que participou da reunião.

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