Inquérito descarta traição no parlamento canadense, mas reforça riscos de influência externa

Relatório aponta China e Índia como principais ameaças e recomenda medidas para combater a desinformação no país

Um inquérito público sobre interferência estrangeira no Canadá concluiu que, apesar de algumas tentativas de influência por parte de entidades externas, as instituições democráticas do país seguem “robustas”. No entanto, o relatório final alerta para o perigo da desinformação, considerada uma das maiores ameaças à democracia. As informações são da Associated Press.

A comissária Marie-Josée Hogue, responsável pela investigação, afirmou que não foi encontrada “nenhuma evidência de traidores” no parlamento canadense, mas ressaltou que atores estrangeiros têm disseminado desinformação por meio da mídia tradicional e das redes sociais.

“Distinguir o que é falso está se tornando cada vez mais difícil, e as consequências podem ser extraordinariamente prejudiciais”, disse Hogue em uma coletiva de imprensa em Ottawa, onde optou por não responder a perguntas.

Parlamento canadense (Foto: Márcio Cabral de Moura/Flickr)
China e Índia entre os principais agentes de interferência

O governo canadense instaurou o inquérito em setembro de 2023 para investigar se a China, a Rússia e outros países interferiram nas eleições federais de 2019 e 2021, que resultaram na reeleição do Partido Liberal, liderado pelo primeiro-ministro Justin Trudeau.

O documento identifica a China como o “principal responsável” por interferências no Canadá, enquanto a Índia aparece como o segundo maior agente de influência externa. As relações entre os dois países estão tensas desde que Trudeau e a Real Polícia Montada do Canadá (RCMP, da sigla em inglês) acusaram o governo indiano de envolvimento no assassinato do ativista sikh canadense Hardeep Singh Nijjar, ocorrido em Surrey, na província de Colúmbia Britânica, em junho de 2023. A Índia nega qualquer envolvimento no caso.

Atualmente, quatro cidadãos indianos residentes no Canadá foram indiciados pelo assassinato de Nijjar e aguardam julgamento. O relatório também cita Rússia, Paquistão e Irã como ameaças potenciais à integridade democrática do país.

Manipulação nas nomeações de candidatos

Ronald Au-Yeung, especialista em ciência política da Universidade de Notre Dame, destacou que as regras eleitorais federais canadenses são rigorosas, mas criticou a falta de atenção do relatório às tentativas de interferência estrangeira no processo de nomeação de candidatos.

Segundo ele, governos estrangeiros podem adquirir filiações partidárias durante disputas internas para evitar que seus críticos sejam indicados. Como resposta, Hogue recomendou que os partidos adotem “regras mais rigorosas sobre quem pode votar nas disputas de nomeação e liderança”.

Possível crise política

O relatório, composto por sete volumes, apresenta 51 recomendações ao governo federal, quase metade das quais devem ser consideradas antes das próximas eleições.

A divulgação ocorre em um momento delicado para a política canadense. O Partido Liberal do Canadá está no processo de seleção de um novo líder para substituir Trudeau, que anunciou sua renúncia em 6 de janeiro. Ele permanecerá no cargo até a escolha de seu sucessor, prevista para 9 de março. No entanto, o novo líder pode ter um mandato breve, pois os três partidos de oposição prometeram apresentar um voto de desconfiança contra o governo minoritário assim que o parlamento retomar suas atividades em 24 de março, o que pode levar a uma eleição antecipada na primavera.

Medidas contra a desinformação

Entre as principais recomendações do relatório está a criação de uma entidade para monitorar informações online e identificar conteúdos falsos ou enganosos que possam impactar o processo democrático.

Hogue sugeriu que o Serviço Canadense de Inteligência de Segurança indique claramente quais relatórios são mais relevantes para os principais tomadores de decisão. Outras sugestões incluem a elaboração de uma estratégia abrangente contra interferência estrangeira e o incentivo para que líderes partidários obtenham autorizações de segurança de alto nível.

Em resposta às preocupações levantadas pelo inquérito, o parlamento aprovou no ano passado uma legislação para reforçar as defesas do Canadá contra interferência estrangeira. O projeto de lei criminaliza atos enganosos ou clandestinos que possam comprometer os processos democráticos, incluindo tentativas secretas de influenciar disputas de nomeação de candidatos.

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