Mais um dissidente alega que seus familiares na China foram assediados por Beijing

Jovem que estuda em Washington diz que o pai e a irmã foram interrogados porque ele é membro do movimento pró-democracia

Tornaram-se frequentes os casos de cidadãos chineses que mesmo no exterior não conseguem fugir da repressão do governo da China. A mais recente vítima é Zhang Jinrui, estudante da Universidade de Georgetown, em Washington, nos EUA, cujos familiares teriam sido assediados no país asiático porque ele é membro do movimento pró-democracia. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

Segundo o próprio estudante, a polícia chinesa visitou os parentes dele na China e interrogou a irmã e o pai. As autoridades teriam questionado se o jovem “participa de atividades pró-democracia” e se “ama seu país e o Partido [Comunista Chinês].” Então, aconselharam o pai a “ensiná-lo a amar melhor seu país e seu partido” e concluíram: “Não está tudo bem que ele esteja fazendo isso. Não adiantará nada.”

Polícia militar chinesa em Beijing (Foto: PxHere/Divulgação)

Zhang diz que entrou na mira das autoridades chinesas porque participou de protestos em novembro de 2022, durante a rígida política “Zero Covid”, quando chinesas exibiram folhas de papel em branco para denunciar a censura imposta pelo regime local. Ele também foi às ruas contestar a realização por Beijing dos Jogos de Inverno do ano passado.

O que mais pesou, porém, foi a criação da organização Tocha no Potomac por estudantes chineses em Washington. Trata-se de um grupo de defesa das liberdades individuais que visa a oferecer “uma plataforma, apoio social e uma comunidade independente do Partido Comunista Chinês (PCC) e seus fantoches”, segundo a rede Voice of America (VOA).

Estudantes a serviço de Beijing

A irmã de Zhang foi a primeira parente a ser contatada pela polícia chinesa, que classificou o estudante como uma figura importante no grupo criado nos Estados Unidos. Ela, então, avisou o irmão por WeChat, e ele diz que até aquele momento sequer tinha ideia de que havia se tornado um alvo.

Ele manifestou surpresa com a alegação das autoridades porque o Tocha no Potomac ainda não realizou nenhum ato público e conta com somente 12 líderes, todos anônimos para evitar a perseguição estatal.

O medo, inclusive, levou outros estudantes cujos familiares teriam sido igualmente assediados a se recusarem a conceder entrevista.

De acordo com Sarah McLaughlin, acadêmica veterana da Fundação para os Direitos Individuais na Educação, um grupo de defesa das liberdades civis de estudantes nos EUA, diz que a situação tornou-se corriqueira. E relata que muitos estudantes chineses “tiveram problemas quando voltaram para casa por coisas que disseram online enquanto estavam nos Estados Unidos.”

Para identificar os jovens ativos em causas que contrariem o regime, Beijing conta com estudantes pró-governo que funcionam praticamente como espiões no exterior. A maioria deles integra uma das filiais da Associação de Estudantes e Acadêmicos Chineses (CSSA, na sigla em inglês).

A CSSA de Washington chegou a denunciar o Tocha no Potomac como um grupo racista que agia sob anonimato porque a causa não tem o apoio da universidade. Em fevereiro deste ano, a acusação levou a diretoria da Universidade George Washington, também na capital norte-americana, a retirar de seus muros cartazes feitos pelo artista sino-australiano Badiucao com críticas às políticas da China.

Posteriormente, o presidente do estabelecimento de ensino, Mark S. Wrighton, se desculpou pela atitude. “No total entendimento, não considero estes cartazes como racistas; são declarações políticas. Não há nenhuma investigação universitária em andamento e a universidade não tomará nenhuma medida contra os estudantes que exibiram os cartazes”, disse ele em comunicado

Donald Clarke professor da Escola de Direito da Universidade George Washington, alerta que muitas vezes “a voz do governo chinês é amplificada através das CSSAs”, enquanto “a voz daqueles que são críticos do governo é suprimida pelo medo das repercussões.”

“As CSSAs tornaram-se especialistas em usar a linguagem da justiça social e do antirracismo como arma para atacar os críticos do governo chinês”, disse Clarke.

Mesmo perseguido e com seus familiares assediados, Zhang diz que não mudará de postura. “A coisa certa ainda é a coisa certa, independentemente de o Partido Comunista Chinês saber sobre mim ou não, e ainda precisa ser feito para o benefício de todos”, disse ele. “Não vou parar de defender um sistema político melhor, com um mecanismo para resolver problemas. Sempre insistirei nisso.”

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