Política externa brasileira ‘pende para o lado errado’ e distancia o país dos aliados ocidentais

Situações como a hesitação do governo em condenar Moscou pela guerra e a visita de Sergei Lavrov colocam o país em rota de colisão com os EUA

Por Paulo Tescarolo

Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos Estados Unidos na ONU (Organização das Nações Unidas), encerrou na quinta-feira (4) uma viagem de três dias ao Brasil. Durante a passagem por aqui, não escondeu a insatisfação de Washington com a política externa brasileira, que atualmente aproxima mais o país do bloco encabeçado por China e Rússia que dos aliados ocidentais. Tal impressão tem se espalhado globalmente e compromete o pretenso papel de neutralidade do Brasil, que inclusive pleiteia uma posição de destaque na mesa de negociações pela paz na Europa.

Desde que assumiu o poder, o presidente Lula tem se candidatado a mediador no conflito entre Moscou e Kiev. Só que ele e outros membros do governo têm auto sabotado essa missão, dando a entender que pendem para o lado russo. O petista declarou durante a campanha, em entrevista à revista Time, em maio de 2022, que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky “é tão responsável” pela guerra quanto o homólogo russo Vladimir Putin.

A posição de Lula se manteve nos primeiros meses de governo. Os EUA, então, passaram a dar sinais de insatisfação. John Kirby, porta-voz da Segurança Nacional, chegou a chamar o Brasil de “papagaio da propaganda russa e chinesa”, segundo a rede CNN. E a embaixadora Victoria Nuland, subsecretária de assuntos políticos do governo norte-americano, pediu ao Brasil “que se coloque no lugar da Ucrânia”.

Thomas-Greenfield fez declaração semelhante durante a passagem pelo Brasil. “Não estamos dizendo ao Brasil para não se engajar na paz”, disse ela em entrevista coletiva, segundo a agência Reuters. “O que dissemos é que qualquer engajamento deve levar em consideração a Ucrânia e não pode ser uma negociação baseada em recompensar a Rússia por tomar território durante sua guerra não provocada contra a Ucrânia”.

Os Ministros das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov (esq.), e do Brasil, Mauro Vieira (dir.), durante conferência de imprensa em abril de 2023 (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

Mesmo que exagerada, a ideia de que o Brasil tomou partido no conflito tem se espalhado. “Dá a impressão de que o Brasil apoia a Rússia, quando não é isso”, disse à reportagem de A Referência Rubens Beçak, professor da FDRP-USP, livre-docente em Teoria Geral do Estado pela USP e professor visitante da Universidade de Salamanca, na Espanha, no curso Master em Estudos Brasileiros. “O Brasil dá sinais claros de alinhamento sem fazer uma reflexão, e isso gera consequências”, acrescentou.

Um dessas consequências está atrelada justamente à mediação da paz. Lula chegou a sugerir neste mês que um grupo de países isentos seja criado para negociar o fim da guerra. A proposta foi apresentada a Estados Unidos, França e Alemanha, de acordo com a CNN.

Para Beçak, porém, o Brasil perdeu espaço na mesa de negociações devido à hesitação em condenar a agressão russa. “O Brasil tem a pretensão de mediar o conflito. Mas, com essa bola fora, a pretensão ficou bem difícil de concretizar”, disse o analista.

Mesmo quando tentou mostrar mais comedimento o governo escorregou. Em sessão do Conselho de Segurança da ONU no dia 24 de fevereiro, quando a agressão russa completou um ano, o embaixador brasileiro Ronaldo Costa Filho disse que o país “condena a invasão russa e a violação territorial de um Estado soberano, a Ucrânia”. E destacou que foi o país quem sugeriu a inclusão do termo “cessação das hostilidades” em uma resolução do órgão, no qual ocupa assento não permanente.

Na visão de Richard Gowan, diretor da ONG Internacional Crisis Group para questões ligadas à ONU, a expressão ilustra bem a posição dúbia do Brasil. “Em vez de ordenar às partes para cessarem fogo, o Brasil gabou-se de ter persuadido a Ucrânia e seus aliados a se referirem à necessidade de uma ‘cessação das hostilidades’”, disse ele. “Esta frase é utilmente aberta a uma variedade de interpretações, como sempre”. 

Não é apenas com palavras que o país passa mensagens erradas. Também o faz com ações, como a visita recente ao país do ministro russo das Relações Exteriores Sergei Lavrov. “É uma questão de timing. Foi muito mal pensado. Nesse caso específico, faltou interlocução maior do Itamaraty com o presidente. Foi um momento péssimo para receber o Lavrov”, disse Beçak, lembrando que a visita ocorreu logo após a ida de Lula à China, mais importante aliada de Moscou.

A questão jurídica

Para os analistas, o Brasil pode até usar o argumento diplomático para não prejudicar as relações com a Rússia e também com a China. No entanto, considerando o aspecto jurídico, o país deveria deixar clara sua posição de condenação à agressão russa.

“Existe um país agressor, que fere a soberania do outro, e um país que sofre essa invasão. E dessa invasão decorre uma guerra”, analisou Beçak. “A maior parte da comunidade internacional condena veementemente a invasão porque é um ato de agressão, de ferir a soberania alheia. Quando o Brasil deixa de condenar veementemente, comete um deslize”.

A opinião é compartilhada por Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor convidado na Universidade de Nuremberg, na Alemanha, onde aborda o tema genocídio.

“A Ucrânia foi invadida. A Ucrânia não pode ser responsabilizada por uma invasão que se prenunciava há meses”, disse Bastos Pereira em conversa com A Referência em março, lembrando o acúmulo de tropas russas na fronteira antes da agressão. “O Brasil precisa se postar do lado do direito internacional”, acrescentou.

Diante desse cenário, e em meio às tensões geopolíticas atuais, Beçak faz um alerta: “Na diplomacia, na questão das relações internacionais, o Brasil está pendendo para o lado errado”.

Ele complementa. “Esses sinais que estão sendo dados pelas relações exteriores brasileiras, pela diplomacia brasileira, são muito negativos. Fica parecendo que, para mostrar que não estamos mais alinhado com o bloco ocidental, o bloco atlântico liderado pelos Estados Unidos, vamos alinhar com países altamente questionáveis”.

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