Rússia sofre para encontrar soldados dispostos a ir à guerra, diz autoridade dos EUA

Alguns dos combatentes em ação na Ucrânia são mais velhos que o habitual, fora de forma e com treinamento inadequado

A Rússia tem enfrentado sérias dificuldade para encontrar novos soldados dispostos a combater na Ucrânia, com a guerra tendo ultrapassado a marca dos seis meses. A informação foi compartilhada por uma autoridade do setor de Defesa dos EUA e reproduzida pela rede Radio Free Europe.

A principal razão para Moscou buscar novos combatentes é o alto número de baixas em suas fileiras. Embora o país não divulgue dados oficiais, Washington apresentou uma estimativa no dia 8 de agosto: entre 70 mil e 80 mil soldados russos foram mortos ou feridos. Alguns dias antes, em 20 de julho, William Burns, diretor da CIA (Agência Central de Inteligência), afirmou que 15 mil soldados russos haviam morrido na guerra até então.

“A Rússia já começou a tentar expandir os esforços de recrutamento”, disse agora a autoridade de Defesa, cuja identidade não foi revelada. “Eles fizeram isso em parte eliminando o limite máximo de idade para novos recrutas e também recrutando prisioneiros”.

Nesse sentido, o presidente Vladimir Putin determinou na semana passada o aumento legal do efetivo de suas forças armadas. Um decreto assinado por ele criou 137 mil novos postos militares, aumentando em 10% o número de combatentes ativos e atingindo assim um efetivo de 1,15 milhão. Não haverá aumento nas vagas destinadas a civis, que completam o quadro das forças armadas. Atualmente, há 1,9 milhão de postos, entre civis e militares. Com o novo recrutamento, que entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2023, serão cerca de 2,05 milhões.

Enquanto o decreto não entra em vigor, Moscou recorre invariavelmente a combatentes longe das condições ideais, de acordo com a fonte. “Muitos desses novos recrutas foram observados como mais velhos, inaptos e mal treinados”, disse a autoridade, confirmando o que já havia sido reportado por alguns dos próprios soldados anteriormente.

Soldados do exército russo em treinamento (Foto: eng.mil.ru)

Soldados que participaram do conflito confirmaram ter passado por um treinamento curto, com duração entre cinco e dez dias. Uma prática que contraria o Ministério da Defesa da Rússia, segundo o qual uma preparação de quatro semanas é necessária para considerar o soldado apto. 

O ministério descreve a rotina de preparação e deixa claro o prazo: “Em quatro semanas, são realizadas aulas práticas (até 240 horas), aulas em simuladores (até 10 horas), treinamento físico (até 36 horas), treinamento tático (até 32 horas), treinamento especial (até 50 horas), exercícios de tiro AK-74 (9 vezes e 200 rodadas) e lançamento de granadas (7 vezes)”.

O analista militar independente Pavel Luzin avalia como inadequada a preparação reduzida. “Uma semana [de treinamento] não é nada. Para um soldado, é um caminho direto para um hospital ou um saco para cadáveres”, afirmou.

Samuel Cranny-Evans, analista militar do think tank Royal United Services Institute, em Londres, diz que não é apenas o treinamento de combate que faz falta: “Há muito a aprender em termos de coordenação e cooperação com uma equipe. E é bastante demorado”.

Conscritos e presidiários

A situação é ainda mais delicada no caso dos conscritos, soldados recrutados pelo governo e enviados ao campo de batalha mesmo contra a própria vontade. Nessas situações, o envio à guerra só é permitido pela legislação russa após quatro meses de serviço militar.

Desde o início do conflito, Moscou afirma que apenas soldados profissionais fazem parte do que o governo classifica como “operação militar especial“. Em março, porém, o Ministério da Defesa admitiu que alguns conscritos foram enviados por engano, mas já teriam sido levados de volta à Rússia. Inclusive, houve a promessa de punições aos oficiais que os enviaram à guerra.

Já a ONG de direitos humanos Gulagu.net, que monitora o sistema carcerário do país, diz que detentos também têm sido convocados para a guerra pela FSB (Agência de Segurança Federal, da sigla em inglês) e pelo Wagner Group, uma organização paramilitar que serve aos interesses do Kremlin e esta ativa na Ucrânia. Os centros de recrutamento seriam colônias penais das regiões de São Petesburgo, Tver, Ryazan, Smolensk, Rostov, Voronezh e Lipetsk.

De acordo com Vladimir Osechkin, chefe da ONG, o recrutamento nas prisões chegou a ser feito pessoalmente por Yevgeny Prigozhin, principal financiador do Wagner Group e importante aliado de Putin. Ele foi a algumas unidades prisionais oferecer o perdão presidencial em troca dos serviços no campo de batalhas na Ucrânia. Um preso que presenciou o recrutamento afirmou que condenados por homicídio premeditado e roubo são especialmente bem-vindos, nas palavras do recrutador.

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