ARTIGO: Unir esforços para combater a desigualdade crescente na pandemia

Disparidades no acesso às vacinas criam uma divergência crescente entre as economias avançadas e muitas das de mercados emergentes

Este conteúdo foi publicado originalmente em inglês no Blog do FMI (Fundo Monetário Internacional)

Por Vítor Gaspar e Gita Gopinath

As disparidades no acesso às vacinas e na capacidade de implementar políticas de apoio estão criando uma divergência crescente entre as economias avançadas e muitas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento. Diante de déficits elevados e níveis históricos de endividamento, os países com acesso limitado ao financiamento enfrentam escolhas difíceis entre proporcionar o apoio necessário e preservar a estabilidade financeira.

Se não forem adotadas medidas decisivas para abordar essa desigualdade crescente, a Covid-19 continuará a ceifar vidas e destruir empregos, com danos permanentes ao investimento, à produtividade e ao crescimento dos países mais frágeis. A pandemia trará novos transtornos para os mais vulneráveis e os países verão um aumento da pobreza extrema e da desnutrição, aniquilando a esperança de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Reduzir as disparidades causadas pela pandemia exigirá, portanto, uma ação coletiva para promover o acesso a vacinas, garantir o financiamento essencial e acelerar a transição para um mundo mais verde, digital e inclusivo.

Doses da vacina à Covid-19 chegam ao Mali via iniciativa Covax em março de 2021 (Foto: Unicef/Seyba Keita)

Garantir o financiamento

Em razão da pandemia, a dívida e os déficits aumentaram de forma acentuada em relação a níveis já historicamente elevados. Os déficits fiscais globais médios, como parcela do PIB, chegaram a 9,9% nas economias avançadas, 7,1% nas economias de mercados emergentes e 5,2% nos países em desenvolvimento de baixa renda. Projeta-se que a dívida pública global fique próxima de 99% do PIB até o fim de 2021.

Nesse contexto, o apoio emergencial do FMI fez uma diferença crítica para salvar vidas e meios de subsistência. Em resposta à crise, o FMI concedeu US$ 117 bilhões em financiamento e alívio da dívida a 85 países. Esse montante inclui a assistência financeira a 53 países de baixa renda e o alívio do serviço da dívida com base em doações para 29 dos países membros mais pobres e mais vulneráveis. Estimamos que, em 2020, graças ao apoio prestado pelo FMI, as economias de mercados emergentes puderam elevar os gastos públicos em 0,5% do PIB, e os países em desenvolvimento, em quase 1% do PIB. O FMI concentrou seu apoio onde ele era mais necessário.

Graças às condições financeiras globais favoráveis, os países com baixo risco de crédito puderam reagir à pandemia com uma expansão considerável e duradoura dos gastos públicos. Contudo, nos países com acesso mais limitado ao financiamento externo, as projeções atuais indicam que os gastos públicos ficarão abaixo do previsto antes da pandemia.

Um momento decisivo

Eliminar as disparidades no acesso a vacinas e vencer a pandemia exige uma ação multilateral urgente. O corpo técnico do FMI formulou recentemente uma proposta de US$ 50 bilhões nesse sentido, endossada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o Banco Mundial e a OMC (Organização Mundial do Comércio). A proposta fixa um objetivo de vacinar pelo menos 40% da população de cada país até o fim de 2021 e pelo menos 60% até meados de 2022, com a garantia de recursos adequados para diagnósticos e tratamentos. Apesar dos avanços obtidos em diversas frentes, ainda é necessário um impulso mais decisivo. O grupo de trabalho sobre vacinas contra a Covid-19 lançou também um painel de dados para identificar claramente e eliminar o quanto antes as lacunas no acesso às ferramentas de combate à Covid-19.

Os países terão também que estudar formas de mobilizar recursos internos e melhorar a qualidade dos gastos. A Covid-19 exacerbou a tensão entre as grandes necessidades de desenvolvimento e os recursos públicos escassos. Para gerar as receitas tão necessárias, os governos terão que reforçar seus sistemas tributários. Trata-se de uma tarefa especialmente árdua num momento em que a concorrência tributária, problemas na alocação da base de tributação e técnicas agressivas de planejamento tributário têm pressionado a tributação da renda.

Mas é possível aumentar a arrecadação, e isso terá que ser feito de forma a promover o crescimento e aumentar a inclusão. Os governos devem estudar maneiras de melhorar a eficiência, simplificar os códigos tributários, reduzir a evasão fiscal e aumentar a progressividade. Igualmente essencial será o reforço da capacidade dos estados de cobrar impostos e o melhor aproveitamento do papel do setor privado. Enquanto perdurar a pandemia, a política fiscal terá de manter uma postura ágil em resposta às circunstâncias em constante evolução.

As ações coletivas podem ajudar a reduzir as disparidades. O fundo Next Generation da União Europeia (UE) – 50% dos seus recursos constituem doações – tem sido uma fonte importante de financiamento para os países membros da UE com espaço fiscal limitado. O acesso a esse fundo e os baixos custos de endividamento são fatores decisivos para explicar porque as projeções para as economias avançadas e de mercados emergentes da UE não apresentam divergências.

Sede da União Europeia em Bruxelas, Bélgica, em maio de 2014 (Foto: Divulgação/Thijs ter Haar)

A comunidade internacional terá que desempenhar um papel chave na obtenção de financiamento para os países mais vulneráveis. A recém-aprovada alocação geral de DES equivalente a US$ 650 bilhões proporcionará aos países membros do FMI uma reserva adicional de liquidez para que possam enfrentar difíceis dilemas de políticas. A canalização dos DES dos países ricos para países em desenvolvimento irá ampliar esse apoio. O FMI está analisando junto a seus países-membros a criação de um novo mecanismo – o Fundo Fiduciário para a Resiliência e a Sustentabilidade – para ajudar as economias emergentes e em desenvolvimento a enfrentar os desafios da mudança climática e construir economias resilientes. Mas essa assistência, por si só, não será suficiente; serão também necessárias outras fontes de auxílio dos doadores.

Um sinal positivo foi o acordo histórico de tributação internacional das empresas, endossado por mais de 130 países. O acordo prevê uma alíquota mínima de 15% sobre o lucro das empresas, que deve contribuir para o fim da “corrida para o fundo do poço” na tributação das empresas multinacionais. É essencial definir os pormenores para que o acordo ajude a mobilizar recursos para investimentos básicos em saúde, educação, infraestruturas e gastos sociais nos países em desenvolvimento.

Esse acordo promissor abre uma janela de oportunidade. A urgência dos desafios globais – a Covid-19, as mudanças climáticas e o desenvolvimento inclusivo – exige uma ação mundial. Este é um momento decisivo na história. Que 2021 fique marcado pela união de nossos esforços.

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