Decisão de Scholz sobre os tanques encerra o longo caso da Alemanha com a Rússia

Artigo relembra como o chanceler alemão cedeu à pressão dos EUA e foi obrigado a dar fim à relação construída com Moscou ao longo de décadas

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no think tank Carnegie Endowment for International Peace

Por Judy Dempsey

Ele finalmente conseguiu.

Após meses de hesitação, o chanceler Olaf Scholz anunciou na quarta-feira (25) que a Alemanha enviaria 14 tanques Leopard 2 para a Ucrânia. Ele também permitirá que os países europeus que compraram os tanques os enviem para Kiev.

Depois de enfrentar pressão consistente dos Estados Unidos e de muitos dos aliados europeus da Alemanha, Scholz encerrou um capítulo de sua liderança de 13 meses que arriscou isolar a Alemanha, dividir a Europa e prejudicar seriamente as relações de Berlim com os Estados Unidos.

Falando ao Bundestag, Scholz disse que sua decisão foi totalmente consistente com suas ações anteriores. A Alemanha, afirmou ele, não queria que a guerra na Ucrânia aumentasse – o que a Rússia alegou que seria uma consequência do envio de tanques. Por esse motivo, ele não estava preparado para permitir que outros países fornecessem os tanques Leopard 2 ou o fizessem sozinhos, sem cobertura dos Estados Unidos. A decisão do presidente Joe Biden de enviar trinta e um tanques M1 Abrams para a Ucrânia roubou de Scholz mais desculpas.

Agora vem o próximo capítulo do chanceler. E não será uma narrativa direta, mesmo comparada à última. Por dois motivos.

Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, em imagem de fevereiro de 2022 (Foto: WikiCommons)

Uma delas são as consequências dentro do Partido Social Democrata (SPD) de Scholz. A ala esquerda do partido sempre se opôs ao envio de tanques e até mesmo ao armamento da Ucrânia. Não é apenas porque são pacifistas e ambivalentes em relação à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e aos Estados Unidos. Para eles, a guerra iniciada pela Rússia estava gradualmente desfazendo décadas de relações extremamente estreitas entre a Alemanha e a Rússia.

A relação, consagrada na Ostpolitik (ou “política oriental”), foi forjada na década de 1960 por Willy Brandt, chanceler e líder do SPD, para aproximar a Rússia da Europa e até mesmo integrá-la à parte alemã do continente europeu. Quando os líderes alemães fecharam um acordo com Moscou para construir e financiar o primeiro gasoduto no início dos anos 1970, os Estados Unidos os alertaram sobre os perigos desse contrato de energia. Para Washington, o contrato foi uma tentativa de Moscou de enfraquecer o vínculo transatlântico, estabelecendo uma relação especial com a então Alemanha Ocidental. E, para o SPD, o contrato de energia era uma forma de “libertar” a Alemanha de parte do domínio esmagador dos Estados Unidos na Europa Ocidental.

Qualquer líder do SPD que desafiasse a crescente proximidade da Alemanha com Moscou era quase considerado um herege. Quando Helmut Schmidt, outro chanceler do SPD, enfrentou grandes manifestações contra a instalação de mísseis Pershing dos EUA em resposta à instalação de mísseis SS-20 de Moscou na Alemanha Oriental, ele conseguiu o que queria – mas nunca foi perdoado por desafiar a premissa ideológica e política da Ostpolitik.

Desde a década de 1980, o SPD (apoiado pelos conservadores democratas-cristãos e pela União Social Cristã) intensificou esses contatos econômicos e políticos com a Rússia. O maior prêmio para o SPD e para o presidente russo, Vladimir Putin, foi a construção dos oleodutos Nord Stream, que permitiram à Rússia enviar gás diretamente para a Alemanha sob o Mar Báltico. A Polônia, os Estados Bálticos e os Estados Unidos alertaram repetidamente a Alemanha sobre sua crescente dependência energética da Rússia.

Somente sob imensa pressão depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro passado, Scholz abandonou o oleoduto Nord Stream 2. Assim como com o aumento da pressão que enfrentou sobre os tanques, Scholz cedeu à pressão sobre o Nord Stream. No entanto, alguns funcionários do SPD expressaram ressentimento com o fim do oleoduto e a decisão do Leopard, dizendo que ambas as decisões atropelaram o relacionamento especial da Alemanha com a Rússia e até mesmo descartaram a Alemanha desempenhando um papel de mediador para negociar o fim da guerra na Ucrânia. Tal ressentimento poderia ser canalizado para criar uma oposição a Scholz dentro do SPD.

A segunda razão pela qual o próximo capítulo de Scholz não será direto é o futuro das relações germano-russas. Um porta-voz do Kremlin prometeu que os tanques “queimariam como todos os outros” e que não influenciariam o resultado da guerra. A cobertura noticiosa da televisão estatal russa sobre a decisão de Berlim foi mordaz. Essa reação não deveria surpreender ninguém, mas ajuda a explicar a hesitação de Scholz. Depois de 1945, a Alemanha passou anos tentando criar confiança com a Rússia para superar os séculos de conflito e reformular esse relacionamento complexo. Agora, Scholz enfrenta um caminho desconhecido com a Rússia.

Scholz agora tem que aceitar, embora com relutância, que o papel de mediador de Berlim e sua relação especial com Moscou acabaram no momento. Talvez o final deste capítulo seja uma chance para Scholz mudar o foco de seu país para a Europa e sua relação transatlântica neste novo cenário global.

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