Operação da Ucrânia destruiu não só aeronaves, mas também a ideia de que bases distantes estão seguras

Artigo analisa o ataque surpresa que causou enorme prejuízo militar e financeiro a Moscou e explica como ele muda a forma de fazer guerra

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site The Conversation

Por Benjamin Jensen

Uma série de explosões em bases aéreas no interior da Rússia em 1º de junho de 2025 foi um duro despertar para os estrategistas militares de Moscou. O ataque ucraniano ao coração da capacidade de bombardeio estratégico da Rússia também pode subverter as regras tradicionais da guerra: ele oferece a um exército menor um plano para neutralizar a capacidade de uma nação maior de lançar ataques aéreos a partir de áreas bem distantes da linha de frente.

A operação Teia de Aranha da Ucrânia envolveu 117 drones controlados remotamente que foram contrabandeados para a Rússia ao longo de um período de 18 meses e lançados contra aeronaves estacionadas por operadores situados a quilômetros de distância.

A incursão destruiu ou inutilizou mais de 40 bombardeiros estratégicos Tu-95, Tu-160 e Tu-22 M3, além de um jato A-50 de alerta aéreo antecipado, segundo autoridades em Kiev. Isso representaria cerca de um terço da frota de ataque de longo alcance da Rússia e aproximadamente US$ 7 bilhões em equipamentos. Mesmo que imagens de satélite acabem reduzindo esses números, a escala dos danos é difícil de ignorar.

A lógica por trás do ataque é ainda mais difícil de ignorar.

Campanhas militares modernas tradicionais giram em torno da profundidade. Nações em guerra tentam construir poder de combate em “áreas de retaguarda” relativamente seguras — centros logísticos que muitas vezes estão a centenas ou milhares de quilômetros da linha de frente. Esses são os locais onde novas unidades militares se formam e onde ficam bombardeiros de longo alcance, como os destruídos na operação ucraniana de 1º de junho.

Desde a invasão da Ucrânia em 2022, o Kremlin tem se apoiado fortemente em suas bases aéreas na retaguarda — algumas a mais de 3,2 mil quilômetros da frente de combate na Ucrânia. Essa tática foi combinada com o lançamento de ondas de drones de ataque Shahed, de design iraniano, para manter as cidades ucranianas sob ameaça constante durante a noite.

A teoria russa da vitória é brutalmente simples: poder aéreo coercitivo. Se mísseis e drones suicidas caírem com frequência suficiente sobre Kiev, o moral da população civil ucraniana vai ruir — mesmo que as forças terrestres russas estejam estagnadas na linha de frente.

Para os planejadores militares de Kiev, destruir as plataformas de lançamento mina essa teoria de forma muito mais barata do que a única alternativa: interceptar todos os mísseis de cruzeiro em voo, estratégia que até agora tem atingido 80% de sucesso, mas depende fortemente de equipamentos doados pelo Ocidente, cada vez mais escassos.

Jatos da Força Área da Rússia (Foto: facebook.com/mod.mil.rus)
Vulnerabilidade dos aeródromos

Aeródromos sempre foram alvos críticos na guerra moderna, partindo do princípio de que bombardeiros e caças no solo são mais vulneráveis e fáceis de atingir.

No deserto do Norte da África, durante a Segunda Guerra Mundial, o Serviço Aéreo Especial do Reino Unido usou ataques com jipes e explosivos de retardo para destruir cerca de 367 aeronaves inimigas espalhadas pela região — poder de fogo que a Luftwaffe (Força Aérea nazista) nunca conseguiu recuperar. No mesmo ano, paraquedistas alemães tomaram os aeródromos em Creta, negando à Força Aérea Real Britânica uma base avançada e decidindo o rumo de toda a campanha na ilha.

Uma geração depois, no Vietnã, equipes de assalto do Viet Cong e do Exército do Vietnã do Norte, armadas com explosivos e morteiros, repetidamente invadiram perímetros americanos em Phan Rang, Da Nang e Bien Hoa, incendiando caças e forçando o desvio de milhares de soldados norte-americanos para a segurança das bases.

O manual de atingir aeronaves no solo continua eficaz porque impõe custos em cascata. Cada pista de pouso destruída e cada bombardeiro incendiado obriga o exército atingido a investir em formas de frustrar novos ataques, como abrigos blindados ou a dispersão dos esquadrões por múltiplas bases. Esses ataques também desviam caças da linha de frente para atuarem como guardas.

Uma nova era de guerra com drones

Na operação Teia de Aranha, a Ucrânia buscou repetir essa estratégia, aproveitando também o fator surpresa para causar choque psicológico e desorganização.

Mas a operação ucraniana se insere num aspecto unicamente do século XXI da guerra.

O advento dos drones não tripulados tem levado cada vez mais militares a falar de “litorais aéreos” — termo usado para designar a faixa da atmosfera logo acima das tropas em terra e abaixo da altitude onde operam caças e bombardeiros de alta performance.

Drones prosperam nessa região: escapam da maioria das armas de infantaria e voam baixo demais para que defesas guiadas por radar os detectem de forma confiável, embora sejam capazes de incapacitar alvos como caminhões de combustível ou bombardeiros estratégicos.

Ao contrabandear pequenas equipes de lançamento para poucos quilômetros das pistas de pouso, Kiev criou plataformas móveis dentro da própria Rússia e conseguiu pegar o inimigo desprevenido.

Os benefícios econômicos da abordagem ucraniana são gritantes. Enquanto um drone, com bateria de lítio e ogiva custa bem menos que US$ 3 mil, um bombardeiro russo Tu-160 custa cerca de US$ 250 milhões.

O impacto sobre a Rússia

A operação Teia de Aranha da Ucrânia terá consequências imediatas e dispendiosas para a Rússia, mesmo que os danos sejam menores do que Kyiv afirma.

Os bombardeiros remanescentes precisarão ser realocados. Proteger bases contra novos ataques exigirá a construção de barreiras de terra, instalação de canhões de 30 mm guiados por radar e interferidores eletrônicos cobrindo possíveis vetores de ataque. Tudo isso custa caro. E, mais importante ainda, a operação desviará soldados e técnicos treinados que poderiam estar na linha de frente durante a ofensiva de verão.

A incursão também enfraquece a capacidade nuclear russa.

Perder até uma dúzia de aeronaves Tu-95 e Tu-160 — ambos bombardeiros com capacidade nuclear — seria um constrangimento estratégico e pode levar o Kremlin a rever a frequência das patrulhas aéreas de longo alcance.

Além dos danos físicos e financeiros à frota russa, a operação ucraniana também traz um efeito psicológico potente. Ela sinaliza que a Ucrânia, mais de três anos após o início de uma guerra de desgaste moral, ainda é capaz de lançar operações sofisticadas no território russo.

A operação do serviço de segurança da Ucrânia se desenrolou em passos pacientes e meticulosos: 18 meses contrabandeando drones desmontados e baterias em cargas aparentemente inofensivas, semanas de montagem silenciosa dos kits e um mapeamento minucioso de ângulos de câmera para garantir que os caminhões de lançamento se confundissem com o tráfego normal de galpões nas imagens de satélite comercial.

Os operadores conduziram esses caminhões até pontos de lançamento previamente inspecionados e liberaram os drones a altura das copas das árvores.

Como cada drone era uma arma suicida, uma dúzia de pilotos pôde atuar em paralelo, próximos ao ponto de lançamento ou remotamente, guiando os vídeos ao vivo até os bombardeiros estacionados. Imagens do ataque indicam múltiplos impactos quase simultâneos em trechos amplos das pistas — o suficiente para sobrecarregar qualquer resposta improvisada com armas leves por parte dos guardas do perímetro.

Uma nova linha de frente?

Para a Ucrânia, o episódio demonstra um método replicável de atingir ativos profundos e bem defendidos. O mesmo manual pode, em princípio, ser adaptado para depósitos de mísseis e, mais importante, fábricas em toda a Rússia que produzem os drones de ataque Shahed em massa.

Kiev precisava encontrar uma forma de enfrentar as ondas de drones e mísseis balísticos que, nos últimos meses, causaram mais destruição do que os mísseis de cruzeiro russos. O sistema de análise Firepower Strike Tracker, do think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, mostra que os Shaheds agora são a arma aérea mais frequente e mais econômica da campanha russa.

Mas as implicações da operação Teia de Aranha vão muito além do conflito Rússia-Ucrânia ao minar a velha ideia de que áreas de retaguarda são seguras. Drones relativamente baratos, lançados de dentro do território russo, destruíram aeronaves que custam bilhões e sustentam a capacidade de ataque de longo alcance e dissuasão nuclear de Moscou. Essa é uma estratégia que pode ser facilmente replicada por outros agressores contra outros países.

Qualquer um que consiga contrabandear, esconder e pilotar pequenos drones pode sabotar a capacidade do adversário de realizar ataques aéreos.

Forças aéreas que dependem de grandes bases fixas terão de se blindar, se dispersar ou aceitar que sua pista agora é uma nova linha de frente.

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