As primeiras semanas do segundo mandato de Donald Trump reacenderam preocupações geopolíticas ao redor do mundo, especialmente em Taiwan. A ilha, que há décadas mantém uma relação estratégica com os Estados Unidos, vê-se novamente no centro de um complexo jogo de interesses entre Washington e Beijing. A postura transacional do chefe da Casa Branca, que já manifestou a intenção de renegociar alianças com base em benefícios econômicos diretos para os EUA, levanta dúvidas sobre o compromisso de proteção à ilha diante das ambições da China. As informações são do Washington Post.
Desde sua posse, Trump tem dado sinais de que poderia tratar Taiwan como uma peça de barganha em possíveis negociações com Beijing. Em discursos recentes, ele criticou a ilha por, supostamente, prejudicar a indústria americana de semicondutores e por não gastar o suficiente com sua própria defesa. Taiwan destina atualmente cerca de 2,5% de seu PIB para gastos militares, um índice superior ao de muitos países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), mas Trump sugeriu que esse percentual deveria ser aumentado para 10%.
Ao mesmo tempo, o presidente americano nomeou figuras conhecidas por sua postura dura contra a China para cargos-chave, incluindo o secretário de Estado Marco Rubio e o conselheiro de segurança nacional Michael Waltz. Em um movimento simbólico, o Departamento de Estado americano removeu recentemente de seu site a frase “não apoiamos a independência de Taiwan”, sinalizando uma possível mudança de postura sobre a ilha.

Antes disso, Trump ameaçou anexar a Groenlândia, sem descartar o uso da força militar, e sugeriu usar “força econômica” para transformar o Canadá no 51º estado dos EUA. Além disso, falou sobre a Faixa de Gaza, chamando-a de “Riviera do Oriente Médio”, e seus enviados estão tentando negociar um acordo com a Rússia que poderia resultar na perda de terras para a Ucrânia.
Paralelos com a guerra na Ucrânia
A apreensão em Taiwan aumentou ainda mais após a reaproximação dos EUA com a Rússia para discutir o fim da guerra na Ucrânia – sem a participação de representantes ucranianos. Analistas alertam que isso pode enviar um sinal perigoso à China, sugerindo que Washington poderia abandonar aliados menores se isso servir a interesses estratégicos maiores.
Fumio Kishida, ex-primeiro-ministro do Japão, já havia alertado que a situação da Ucrânia poderia se repetir no Leste Asiático, caso Pequim decida intensificar suas ações sobre Taiwan. Yun Sun, especialista do Stimson Center, afirmou que a negociação sobre a Ucrânia pode reforçar a percepção chinesa de que uma potência forte pode subjugar um adversário menor sem consequências significativas.
Taiwan busca manter apoio americano
Diante desse cenário, o governo de Taiwan, liderado por Lai Ching-te, tem trabalhado para fortalecer seus laços com Washington e evitar que Trump tome medidas que comprometam a segurança da ilha. Recentemente, Lai apresentou um plano para reduzir o superávit comercial de Taiwan com os EUA, estimular mais investimentos taiwaneses no país e aumentar os gastos com defesa para além de 3% do PIB.
A administração de Taiwan também enviou representantes aos Estados Unidos para negociar a compra de mais gás natural liquefeito americano, em uma tentativa de equilibrar a balança comercial entre os dois países. Um funcionário taiwanês, que preferiu não se identificar, descreveu essa estratégia como uma “cesta de presentes” para Trump, na esperança de convencer o presidente a manter o compromisso com a segurança da ilha.
A escalada militar chinesa
Enquanto Taiwan busca reforçar sua relação com Washington, Pequim tem intensificado sua pressão militar sobre a ilha. Desde a posse de Lai, considerado um “separatista perigoso” pelo governo chinês, o número de incursões de aeronaves e embarcações chinesas nas proximidades de Taiwan aumentou significativamente.
Para muitos analistas, essa escalada pode ser um indício de que Xi Jinping esteja considerando uma ação militar contra Taiwan, aproveitando a incerteza gerada pela política externa de Trump. O cientista político Wei-Ting Yen, da Academia Sinica, destacou que a postura agressiva dos EUA em relação a outras nações enfraquece sua posição moral para condenar uma eventual ação chinesa contra Taiwan.
O futuro das relações entre EUA, China e Taiwan
Com a relação entre as duas maiores economias do mundo cada vez mais turbulenta, Taiwan enfrenta um momento decisivo. A ilha tenta equilibrar suas alianças estratégicas sem provocar Beijing, ao mesmo tempo em que busca garantir que Washington continue sendo um parceiro confiável. No entanto, com Trump priorizando interesses econômicos diretos em sua diplomacia, especialistas alertam que o destino de Taiwan pode depender da evolução das negociações entre os EUA e a China nos próximos meses.