Tecnologia pode submeter cidade da Índia à vigilância estatal absoluta, alerta ONG

Anistia Internacional estima que um novo centro de vigilância na cidade de Hyderabad irá operar até 600 mil câmeras simultaneamente

Hyderabad, na Índia, tida como uma das cidades mais vigiadas do mundo, “coloca os direitos humanos em risco” devido à vigilância estatal empreendida através da tecnologia. O alerta é da ONG Anistia Internacional, que lançou a campanha “Ban the scan” (“proíba a digitalização”, em tradução literal) para banir o reconhecimento facial, tecnologia considerada invasiva.

O governo local iniciou a construção de um Centro de Comando e Controle (CCC) que irá combinar a infraestrutura local de CFTV (circuito fechado de TV) com o software de reconhecimento facial (FRT) do Estado em tempo real. De acordo com um levantamento feito pela ONG Internet Freedom Foundation, o Estado de Telangana, onde fica Hyderabad, é o lugar do país que abriga o maior número de projetos de segurança do gênero.

Estima-se que novo centro irá apoiar o processamento de dados de até 600 mil câmeras simultaneamente. O equipamento será operado pela polícia de Hyderabad para rastrear indivíduos.

Para Anistia Internacional, tecnologia tem consequências assustadoras para o direito à liberdade, principalmente das minorias (Foto: WikiCommons)

“Hyderabad está prestes a se tornar uma cidade de vigilância total. É quase impossível andar na rua sem arriscar a exposição ao reconhecimento facial ”, disse Matt Mahmoudi, pesquisador de inteligência artificial (IA) e big data da Anistia Internacional. Ele acrescentou que, além do CCTV, há preocupação que “a prática da aplicação da lei de usar tablets para pesquisar e fotografar civis gratuitamente possa ser usada para reconhecimento facial.”

Na opinião de Quinn McKew, diretor executivo da ARTIGO 19, ONG que promove o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo, a tecnologia de reconhecimento facial pode rastrear quem é o indivíduo, para onde vai, o que faz e quem ele conhece.

“[A FRT] Ameaça os direitos humanos, incluindo o direito à privacidade, e coloca em risco as pessoas mais vulneráveis ​​da sociedade. A construção do CCC tem consequências assustadoras para o direito à liberdade de expressão e reunião”, acusou McKew.

Tecnologia discriminatória

O uso da tecnologia não é novidade no país. A Índia já possui um longo histórico de uso de reconhecimento facial por meio de suas autoridades em contextos que ferem questões de direitos humanos. Entre os episódios mais recentes estão medidas de lockdown relacionadas à pandemia de Covid-19, identificação de eleitores e ações de policiamento em protestos. Entre os principais afetados pelo sistema de vigilância estão minorias e etnias, como muçulmanos, dalits, adivasis e comunidades transgênero, além de outros indivíduos historicamente marginalizados pela sociedade hindu.

De acordo com a Lei de Identificação de Prisioneiros da Índia de 1920, a polícia não tem permissão para tirar fotos de pessoas, a menos que elas sejam detidas ou condenadas por um crime. A legislação também proíbe o compartilhamento de imagens com outras agências de aplicação da lei.

Por que isso importa?

Em setembro, o Escritório de Direitos Humanos da ONU publicou um relatório analisando como a inteligência artificial afeta o direito das pessoas à privacidade e também à liberdade de movimento, à liberdade de expressão e ao direito de se reunirem para manifestações pacíficas.  

O relatório destaca como as tecnologias biométricas, incluindo reconhecimento facial, estão sendo cada vez mais utilizadas pelos países, organizações internacionais e empresas de tecnologia. Por isso, é necessário, com urgência, implementar regras baseadas em direitos humanos.  

O documento defende, ainda, moratória no uso das tecnologias biométricas em espaços públicos, especialmente no monitoramento de pessoas nas ruas. Essa medida seria aplicada pelo menos até que as autoridades provem que os sistemas cumprem com altos padrões de privacidade e de proteção. 

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