Empresas chinesas se afastam de posicionamentos pró-Taiwan após visita de Pelosi

Companhias temem ser associadas ao movimento por independência, mesmo que seja através da opinião de um funcionário

Ao despertar a ira de Beijing, a visita a Taiwan na semana passada de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, resultou em uma onda de nacionalismo chinês e superlativos exercícios militares ao redor da ilha, inclusive com disparo de mísseis balísticos que atingiram o mar do Japão.

E todo esse estresse geopolítico acabou também por impactar nas empresas locais, que estão se afastando de qualquer fator que possa sugerir apoio à independência do território semiautônomo, segundo a agência Reuters.

Presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, e a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen (Foto: WikiCommons)

Internautas têm agido como fiscais nas redes sociais do país. Na semana passada, o grupo norte-americano Mars Wrigley, fabricante do chocolate Snickers, teve que se retratar publicamente após uma polêmica levantada por usuários que descobriram um vídeo promocional de um novo produto da marca, que trazia a frase “disponível apenas nos seguintes países”, ilustrada por bandeiras de Coreia do Sul, Malásia e Taiwan.

“Levamos isso muito a sério e expressamos nossas profundas desculpas”, disse a empresa em comunicado, acrescentando que respeita “a soberania e a integridade territorial da China”. 

As empresas estão preocupadas até mesmo em se dissociar de opiniões pessoais de funcionários. No sábado (6), a assessoria da Foshan Haitian Flavoring and Food, maior fabricante de molho de soja da China em vendas, teve trabalho por conta de um episódio nas mídias sociais envolvendo um de seus colaboradores. A empresa publicou um imenso pedido de desculpas e anunciou a demissão de um funcionário que deu boas-vidas a Pelosi.

“O conteúdo impróprio publicado produziu uma influência social negativa”, disse a empresa em sua conta no Weibo (plataforma local semelhante ao Twitter). Além disso, prometeu que administraria melhor seu quadro de funcionários.

Pelosi non-grata

Há também desconfianças com a presença comercial da família Pelosi na China e na Ásia. Segundo o jornal South China Morning Post, o filho de Nancy, Paul Pelosi Jr., tem uma pequena participação na Borqs Technologies, uma empresa de tecnologia listada em Nova York que possui escritório em Beijing.

Já a Matthews International Capital Management, uma empresa financeira focada na Ásia, foi apontada pelo jornal honconguês pró-Beijing Ta Kung Pao como sendo fundada pelo marido de Nancy, Paul Pelosi. O empresário definiu a acusação do veículo como “factualmente incorreta”, alegando que o fundador é “Paul Matthews, não Paul Pelosi”. Além disso, afirmou não ter ligações com William Hambrecht, amigo e apoiador político de sua esposa, ao contrário dos relatos da mídia.

Na última sexta (5), por meio de seu Ministério das Relações Exteriores, a China anunciou que sancionou Nancy Pelosi e alguns de seus familiares. A justificativa dada foi a de uma resposta a suas ações definidas como “viciosas” e “provocativas”.

Um caso separado dos demais envolve a fabricante de chips taiwanesa United Microelectronics Corp (UMC). A empresa do setor de semicondutores desvencilhou-se do posicionamento sobre a questão China-Taiwan que partiu de seu fundador, Robert Tsao. Na semana passada, ele prometeu doar US$ 100 milhões para ajudar a ilha a reforçar suas defesas. Sua oferta, vista como antipatriótica, gerou críticas entre os usuários nas redes sociais.

“O Sr. Tsao se aposentou da UMC há mais de dez anos. Ele não tem nada a ver com a UMC”, disse a empresa em um comunicado.

Por que isso importa?

Taiwan é uma questão territorial sensível para os chineses. Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também encara Hong Kong como parte do território chinês.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal fornecedor de armas do território. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.

A China, em resposta, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.

A crise ganhou contornos ainda mais dramáticos após a visita de Pelosi, primeiro membro da Câmara a viajar para Taiwan em 25 anos, uma atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.

O treinamento serve como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.

Beijing, que falou em impor “sérias consequências” como retaliação à visita, também sancionou Taiwan com a proibição das exportações de areia, material usado na indústria de semicondutores e crucial na fabricação de chips, e a importação de alimentos, entre eles peixes e frutas. Quatro empresas taiwanesas rotuladas por Beijing como “obstinadas pró-independência” também foram sancionadas.

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