EUA podem sinalizar tolerância ao regime militar de Mianmar após suspensão do estado de emergência

Analistas questionam a aparente flexibilidade de Trump diante do regime autoritário, levantando hipóteses sobre interesses econômicos e estratégicos dos EUA

Quatro anos e meio depois que os militares tomaram o poder do governo civil em Mianmar, o país enfrenta um cenário autoritário, com sinais recentes dos EUA que indicam possível tolerância ao regime. No final de julho, o governo militar suspendeu o estado de emergência, imposto após o golpe de 2021, na maior parte das regiões, anunciando eleições gerais para 28 de dezembro. Especialistas internacionais veem o retorno ao governo civil como simbólico, destinado a reduzir o isolamento global do regime. As informações são do Nikkei Asia.

A aparente ambivalência de Washington frente a essas manobras gerou preocupação. Em 7 de julho, o presidente Donald Trump enviou uma carta a Min Aung Hlaing, líder militar de Mianmar, informando que os EUA aplicariam uma tarifa de 40% sobre as exportações do país, em vez dos 44% previstos. O envio da carta diretamente ao comandante-em-chefe e o uso do título honorífico “Sua Excelência” foram interpretados como reconhecimento tácito do regime militar como autoridade legítima.

Min Aung Hlaing e Donald Trump (Foto: WikiCommons)

Min Aung Hlaing respondeu agradecendo a redução da tarifa e pediu a suspensão das sanções econômicas, traçando um paralelo com alegações infundadas de fraude eleitoral de Trump em 2020. Pouco depois, o Departamento do Tesouro dos EUA suspendeu sanções aplicadas a empresas e indivíduos ligados ao regime, sem explicações públicas.

O Secretário de Estado americano, Marco Rubio, também instruiu diplomatas a não comentar sobre a imparcialidade de eleições estrangeiras, sinalizando uma mudança na postura tradicional dos EUA em relação a processos democráticos internacionais.

A ação rápida do regime militar de Mianmar, que imediatamente contratou uma empresa de lobby americana após o fim do estado de emergência, reforça a percepção de que Washington estaria abrindo espaço para legitimar eleições controladas pelos militares. O regime já é acusado de fraude e repressão violenta, com mais de 7.100 civis mortos desde 2021.

Historicamente, os EUA mantiveram pressão sobre Mianmar para apoiar reformas democráticas e proteger direitos humanos, especialmente durante o governo de Aung San Suu Kyi. No entanto, interesses estratégicos e econômicos, incluindo acesso a recursos naturais críticos, têm se tornado prioridade na política atual, em detrimento do compromisso com a democracia.

Thant Myint-U, historiador renomado de Mianmar, observa que oficiais militares desejavam transformar o país de uma ditadura isolada em uma ditadura pró-americana. Quatro décadas depois, essa aspiração parece guiar os atuais líderes, e o envolvimento americano pragmático poderia representar mais um desafio à ordem internacional.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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