Exército de Mianmar obriga cidadãos a reforçarem milícias que apoiam a ditadura

Campanha de recrutamento ocorre enquanto forças da junta contabilizam derrotas para os rebeldes, às vésperas de três anos de aniversário do golpe

O Exército de Mianmar está forçando moradores na região sudoeste de Bago a se unirem a milícias pró-governo, oferecendo incentivos como dinheiro e arroz. As forças da junta militar que controla o país ainda obrigam as pessoas a pagarem multas caso se recusem, ameaçando também destruir as vilas se a determinação não for cumprida, conforme relatado pela rede Radio Free Asia.

O recrutamento forçado acontece em meio a relatos de grandes perdas sofridas pelos militares golpistas em confrontos com grupos contrários ao regime nos últimos meses, especialmente no estado de Shan, ao norte do país. Uma coalizão batizada de Aliança das Três Irmandades, formada por três grandes milícias, o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MDNAA, da sigla em inglês), o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang (TNLA) e o Exército Arakan (AA), conquistou 15 dos 22 municípios desde o início de uma ofensiva em outubro.

As vitórias recentes dos rebeldes sugerem que a guerra civil em decorrência do golpe militar de 1º de fevereiro de 2021 pode estar atingindo um ponto crucial. A junta militar, em resposta, anunciou planos para reforçar os sistemas de defesa e segurança pública.

Soldados de Mianmar de prontidão durante protesto (Foto: WikiCommons)

A estratégia inclui pressionar os residentes da região sudoeste de Bago a se juntarem a milícias pró-junta, oferecendo incentivos como dinheiro e arroz. Residentes relatam que a recusa em aderir resulta em ameaças, multas e até mesmo a destruição de vilarejos.

Os benefícios oferecidos incluíam 120 mil kyats (cerca de R$ 280) e um saco de arroz por mês para os que se juntavam, enquanto o valor para adiar variava de 500 mil a 800 mil kyats (aproximadamente de R$ 1,1 mil a R$ 1,8 mil).

A população, diante da imposição dos militares, enfrenta dificuldades para evitar o recrutamento forçado, recorrendo a contribuições financeiras para evitar a adesão às milícias, que pode chegar a R$ 460.

No dia 12 de janeiro, a junta instruiu as autoridades da cidade de Thegon a recrutarem 20 pessoas por aldeia. Eles ameaçaram incendiar as aldeias que não cumprissem a ordem, alegando estar alinhados com os grupos paramilitares anti-junta conhecidos como Força de Defesa do Povo (PDF, na sigla em inglês).

Tin Oo, ministro da Economia da junta e porta-voz da região de Bago, afirmou que os residentes estão se preparando para proteger suas comunidades da violência. Ele enfatizou que a decisão de aderir às milícias pró-junta depende dos moradores, mencionando que algumas aldeias se recusam totalmente a permitir a entrada dos chamados “terroristas” do PDF em sua área. O ministro observou que muitos jovens estão se unindo às milícias como uma forma de proteger suas próprias comunidades.

Na quinta-feira (18), o segundo subcomando regional do sul do Comando Sul do Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), grupo que estabeleceu um regime paralelo para enfrentar a ditadura, emitiu um comunicado anunciando que “tomará medidas” contra qualquer pessoa que force civis a criar milícias em apoio à junta.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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