Mas um episódio de barbárie em Mianmar foi atribuído às Forças Armadas locais nesta semana. Agora, militares a serviço do autoritário regime liderado pelo general Min Aung Hlaing são acusados de torturar e matar ao menos 51 pessoas, inclusive menores de idade, em uma vila no estado de Rakhine na semana passada. As informações são da rede BBC.
Segundo testemunhas e grupos rebeldes, os militares foram responsáveis por dois dias e meio de terror na vila de Byine Phyu, perto da cidade de Sittwe, capital de Rakhine. Os relatos apontam para tortura e execuções sumárias contra pessoas com idades entre 15 e 70 anos.
As tropas invadiram a vila à caça de combatentes ligados ao Exército Arakan, que integra uma coalizão rebelde ao lado de outras duas fações, o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang.

A denúncia foi formalizada pelo Governo de Unidade Nacional, que estabeleceu um regime paralelo de oposição à junta militar. O Exército Arakan, por sua vez, diz que o número de mortos é ainda maior, ultrapassando 70 pessoas.
Algumas das vítimas teriam sido vendadas, espancadas e banhadas em gasolina sob a ameaça de serem queimadas vivas. Em certos casos, os soldados teriam usado facas para remover tatuagens que remetessem ao grupo rebelde.
A ação das Força Armadas ocorre em meio às seguidas derrotas que vêm sofrendo nos confrontos com a coalização rebelde, batizada de Tríplice Aliança. O estado de Rakhine é palco do maior avanço desses grupos, que se uniram a facções étnicas com o objetivo de derrubar o regime ditatorial estabelecido no golpe de Estado de fevereiro de 2021.
O Governo de Unidade Nacional acusou os militares de outra ação semelhante em 11 de maio. Naquela ocasião, o grupo de oposição disse que as Forças Armadas assassinaram 32 civis em um mosteiro da vila de Let Htoke Taw, sendo 31 homens e uma mulher.
Segundo testemunhas que integram grupos rebeldes, soldados entraram na vila em busca de um hospital improvisado onde estariam sendo tratados combatentes das milícias armadas de oposição. Ao se depararem com civis que buscavam abrigo no mosteiro, estes teriam sido encurralados e executados
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.