Hong Kong impede que cidadãos no exterior tenham acesso a fundo previdenciário bilionário

Segundo relatório de ONG, bloqueio é uma ação retaliatória do governo contra pessoas que fugiram para o Reino Unido

Cidadãos que deixaram Hong Kong beneficiados por um programa do governo do Reino Unido que fornece vistos a cidadãos da ex-colônia britânica deixaram para trás cerca de 2,2 bilhões de libras (R$ 15 bilhões) que agora não conseguem acessar. Embora tenham direito a receber sua parcela na bolada, essas pessoas têm o acesso negado pelo governo chinês, que desde 1997 controla o território.

Os valores, parte do Fundo de Previdência Obrigatória dos cidadãos honcongueses, são retidos inclusive por um banco britânico, o HSBC. Essas informações constam de um relatório divulgado na segunda-feira (10) pela ONG Hong Kong Watch.

De acordo com o relatório, qualquer pessoa que saia permanentemente de Hong Kong normalmente tem o direito de retirar o dinheiro do Fundo. Por ordem da China, porém, àqueles que foi concedido o passaporte britânico, optando por viver no Reino Unido ou no Canadá, esse direito é negado.

Foi uma declaração unilateral do Ministério das Relações Exteriores da China que determinou o bloqueio, em resposta à abertura do regime de vistos BNO do governo britânico em janeiro de 2021.

Notas de libra esterlina: Hong Kong bloqueou dinheiro de seus cidadãos (Foto: Wikimedia Commons)

A ONG afirma que o bloqueio é uma “ação retaliatória” estabelecida por um decreto, sem que qualquer lei referente ao Fundo de Previdência Obrigatório tenha sido alterada no sentido de proibir o acesso ao dinheiro.

“A ação retaliatória do governo chinês para deixar de reconhecer o passaporte nacional britânico destina-se a punir financeiramente aqueles que abandonam o território e é uma violação grave das suas obrigações”, disse Sam Goodman, diretor de Política e Advocacia da Hong Kong Watch.

Ainda segundo Goodman, a medida “equivale a uma apropriação descarada de bens”, uma “medida punitiva dirigida a qualquer pessoa que tenha deixado Hong Kong ao abrigo do regime de vistos.” O objetivo central, diz ele, é deixar claro a quem pense em fazer o mesmo que, para tanto, precisará abrir mão do dinheiro arduamente conquistado ao longo da vida.

O HSBC é citado no relatório como responsável por cerca de 30% do Fundo de Previdência Obrigatória, retendo por volta de 660 milhões de libras (R$ 4,5 bilhões). Os pedidos feitos por outras instituições bancárias ou por pessoas físicas para saque antecipado do dinheiro são rejeitadas pelo banco, diz a ONG.

“O HSBC não está cumprindo suas responsabilidades como administrador”, declarou Goodman. “Deve explicar aos seus clientes porque está bloqueando o acesso às poupanças arduamente conquistadas e o governo do Reino Unido deve perguntar por que um banco com sede em Londres está cumprindo as ordens de um governo autoritário ao não reconhecer um documento válido emitido pelo governo.”

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. O antigo texto vinha sendo usado até março deste ano, quando uma nova lei, ainda mais dura, foi aprovada.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território.

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”

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