Vaticano e Washington contestam detenção de cardeal católico em Hong Kong

Joseph Zen teria sido liberado após interrogatório. Ele é acusado de colaborar com grupo de apoio a vítimas da repressão

A detenção do cardeal católico Joseph Zen pela polícia de Hong Kong, ocorrida na quarta-feira (11), no território semiautônomo, gerou manifestações de repúdio e contestação do governo dos EUA e do Vaticano. Um dos alvos foi a China e sua política de repressão aos opositores, conforme informações da rede Radio Free Asia.

“Pedimos às autoridades da RPC (República Popular da China) e de Hong Kong que parem de atacar os defensores de Hong Kong e libertem imediatamente quem foi detido e acusado injustamente, como o cardeal Joseph Zen Ze-kiun e outros presos hoje”, disse Karine Jean-Pierre, porta-voz da Casa Branca.

O Vaticano também se manifestou sobre a detenção, através de Matteo Bruni, diretor da assessoria de imprensa da Igreja Católica. “A Santa Sé recebeu com preocupação a notícia da prisão do cardeal Zen e está acompanhando o desenvolvimento da situação com extrema atenção”, afirmou ele.

O cardeal católico Joseph Zen, de Hong Kong (Foto: Wikimedia Commons)

Zen foi detido no aeroporto, quando embarcava em um voo para a Alemanha. Assim como ele, também foram levados pelas autoridades na quarta (11) a cantora Denise Ho, a advogada Margaret Ng e o professor universitário Hui Po-keung. Todos são acusados de “conluio com potências estrangeiras”, devido ao apoio que prestam a manifestantes pró-democracia em Hong Kong.

A acusação contra o grupo está relacionada à atuação deles no agora extinto grupo 612 Humanitarian Relief Fund (Fundo de Auxílio Humanitário 612, em tradução literal), que prestava apoio jurídico, psicológico e financeiro a pessoas presas ou feridas nos protestos contra o governo em 2019. A entidade foi obrigada a interromper suas atividades no ano passado.

A ONG britânica Hong Kong Watch (HKW) confirmou as quatro detenções e disse que todos foram liberados após pagamento de fiança.

“Condenamos as prisões desses ativistas, cujo suposto crime foi financiar assistência jurídica a manifestantes pró-democracia em 2019″, disse Benedict Rogers, executivo-chefe da HKW. “As prisões de hoje sinalizam, sem sombra de dúvida, que Beijing pretende intensificar sua repressão aos direitos e liberdades básicos em Hong Kong. Pedimos à comunidade internacional que ilumine essa repressão brutal”.

O político britânico David Alton, patrono da ONG e defensor da causa democrática em Hong Kong, levou o caso das detenções ao Parlamento britânico. “Prender um cardeal de 90 anos, juntamente com um dos advogados mais respeitados internacionalmente de Hong Kong, um cantor pop e um proeminente acadêmico leva o regime do Partido Comunista Chinês (PCC) e seus representantes em Hong Kong a níveis ainda mais baixos de desumanidade ultrajante em sua repressão de dissidência na cidade”.

Informações extraoficiais sugerem que a ex-deputada pró-democracia Cyd Ho, atualmente em prisão preventiva à espera de julgamento em outro caso, tende a enfrentar as mesmas acusações, pois também era uma das gestoras do grupo humanitário.

“Sinicização” da fé

Nos últimos meses, Beijing tem intensificado o controle sobre a religião, como parte de um processo de “sinicização” da fé. No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do PCC, o presidente chinês Xi Jinping havia deixado clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.

“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.

Em março deste ano, começou a vigorar no país uma determinação, anunciada também em dezembro, que proíbe entidades e cidadãos estrangeiros de fazerem qualquer tipo de propaganda religiosa online no país. De acordo com as regras, é preciso obter uma licença para divulgar conteúdo religioso online, e somente entidades ou indivíduos sediado na China e reconhecidos pelas leis chinesas têm esse direito, segundo o site South China Morning Post.

De acordo com o pastor Liu Yi, devido à pandemia, muitas religiões a fortaleceram sua atuação online, o que levou Beijing a contra-atacar e treinar os novos censores. “Qualquer um pode postar nas redes sociais, então é por isso que o governo precisa dessas pessoas, para supervisionar isso”, disse o religioso. “Querem que eles monitorem e relatem qualquer atividade religiosa online”.

O treinamento oferecido pelo governo já começou, mas as inscrições seguem abertas. O curso inclui módulos como “pensamento político de Xi Jinping“, “socialismo com características chinesas na nova era“, “valores centrais socialistas” e “comentários importantes do secretário-geral Xi Jinping sobre religião”.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela “lei de segurança nacional“, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território, enquanto o Reino Unido diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China.

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