Junta de Mianmar promete à China que realizará eleições ‘livres e justas’ no país

Líder militar afirma que pleito será 'livre e justo', apesar de ceticismo de opositores e grupos étnicos que enfrentam o regime

Durante visita recente à China, o chefe da junta militar de Mianmar, Min Aung Hlaing, comprometeu-se a finalizar o censo nacional até o final de 2024 e, em seguida, conduzir eleições “livres e justas”. Em reunião com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, em 6 de novembro, Hlaing afirmou que 63% da população já foi recenseada e que o processo será concluído antes do novo ano. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

O censo, iniciado em 1º de outubro, visa preparar o terreno para as eleições gerais previstas para 2025. No entanto, enfrenta forte oposição de grupos étnicos armados que consideram inviável a realização de um pleito nacional enquanto persistem o conflitos e a repressão estatal. Desde o golpe militar de fevereiro de 2021, a junta tem sido pressionada pela Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) e também por Beijing a restabelecer a democracia no país.

Min Aung Hlaing, general que lidera a junta em Mianmar desde o golpe de Estado (Foto: WikiCommons)

Os opositores, assim como os rebeldes, questionam a legitimidade das promessas da junta. “Nenhum país que valoriza os direitos humanos pode acreditar que um regime responsável por mortes e opressão em larga escala é capaz de realizar uma eleição justa”, diz Aye Mya Mya Myo, eleita para o Parlamento da região de Yangon em 2020.

Além disso, a junta implementou novas leis de registro eleitoral que desqualificam diversos partidos, incluindo a Liga Nacional pela Democracia (NLD), que venceu as eleições de 2020 com ampla maioria antes de ser deposta pelo golpe. Essa medida é vista como uma tentativa de consolidar o poder militar e limitar a participação de opositores no processo político.

Tun Kyi, ex-preso político, criticou o apoio do governo chinês às ações da junta, afirmando que isso “encoraja comportamentos criminosos”. Ele também expressou ceticismo quanto à capacidade da junta de conduzir eleições legítimas, considerando o histórico de repressão e violência contra dissidentes.

Apesar das promessas de Min Aung Hlaing de convidar observadores internacionais para monitorar as eleições, opositores e líderes rebeldes consideram o pleito uma farsa destinada a legitimar o controle militar. A comunidade internacional permanece dividida sobre como responder às ações da junta e apoiar uma transição democrática em Mianmar.

Enquanto isso, a população enfrenta desafios contínuos, incluindo conflitos armados, repressão política e incertezas econômicas. A conclusão do censo e a promessa de eleições não dissipam as preocupações sobre o futuro democrático do país e a restauração dos direitos civis e políticos para todos os cidadãos mianmarenses.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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