Logística impede a China de invadir Taiwan antes de 2030, diz ex-oficial da inteligência dos EUA

J. Michael Dahm afirma que Beijing precisa, antes de atacar, ampliar sua frota de supercargueiros capazes de conduzir tropas, veículos e armas

Desde 2023, a China tem investido alto na produção de supercargueiros ro-ro (do termo em inglês roll on-roll off, rolar para dentro e para fora), balsas enormes especializadas no transporte de veículos. Embora o objetivo à primeira vista pareça alavancar sua indústria, sobretudo de carros elétricos, há também um fim militar. E é justamente a escassez de tais embarcações que impede o país de invadir Taiwan antes de 2030, segundo relatório assinado por J. Michael Dahm oficial aposentado da inteligência da Marinha dos EUA e hoje analista do Instituto Mitchell de Estudos Aeroespaciais.

“A partir de 2023 e provavelmente até pelo menos 2030, a frota de reserva de navios civis do ELP provavelmente será incapaz de fornecer as capacidades de desembarque anfíbio ou a logística marítima em ambientes austeros ou desafiadores necessários para apoiar uma grande invasão de Taiwan através do Estreito”, diz o documento.

O problema logístico já foi detectado por Beijing. Em julho de 2023, o People’s Daily, jornal do Partido Comunista Chinês (PCC), destacou a análise de um especialistas alertando para a escassez de ro-ros. Na ocasião, havia mais de 700 navios do tipo no mundo, com menos de cem operados pelos principais prestadores de serviços de transporte marítimo na China.

Navios de guerra da Marinha chinesa durante treinamento militar (Foto: eng.chinamil.com.cn)

Beijing, então, passou a investir pesado na produção desse tipo de embarcação, tarefa consideravelmente menos complicada porque o país foi responsável por cerca de 47% de toda a produção global de navios comerciais em 2022. Apenas Coreia do Sul, com 29%, e Japão, com 17%, se aproximam desses números.

A projeção é de que empresas chinesas entreguem 200 novos ro-ros entre 2023 e 2026, o dobro das entregas feitas entre 2015 e 2022. E eles não servirão apenas a seu propósito central, que é o transporte comercial. O Exército de Libertação Popular (ELP) percebeu que eles podem ter funções militares. Com a enorme capacidade de transporte de veículos, podem ajudar a solucionar um dos grandes problemas das Forças Armadas do país, que é justamente a logística do deslocamento de tropas e equipamentos.

“Embora não seja tão capaz como as grandes balsas oceânicas, a frota civil da China possui dezenas de grandes navios de carga e pode fornecer ao ELP a capacidade de transporte necessária para eventualmente apoiar uma grande operação através do Estreito”, avalia Dahm no relatório.

Apesar de o relatório abranger o período entre setembro de 2021 e outubro de 2022, antecipa que 2024 ainda não será o ano no qual o ELP terá plenas condições de invadir Taiwan. Mas o trabalho vem sendo feito por Beijing, e em mais seis anos a situação tende a ser diferente.

“Os exercícios de transporte de grande volume realizados em 2022 sugerem que o ELP fez progressos significativos na utilização de embarcações civis para o transporte em grande escala de tropas e equipamento do ELP para portos indefesos, uma capacidade que pode ser aproveitada num ataque militar a Taiwan”, diz o relatório.

Pesadelo logístico

Dahm não é o primeiro analista militar a alertar para o desafio logístico que uma invasão anfíbia representa. Em junho de 2022, a rede CNN revelou a opinião de um grupo de especialistas, com constatação semelhante.

Segundo eles, o maior desafio chinês para atacar a ilha seria mesmo cruzar os 117 quilômetros de oceano do Estreito de Taiwan, momento no qual as tropas chinesas seriam um alvo fácil, devido ao tamanho do efetivo e ao tempo necessário para realizar a travessia.

“Para Beijing ter perspectivas razoáveis de vitória, o ELP teria que mover milhares de tanques, canhões de artilharia, veículos blindados e lançadores de foguetes com as tropas. Montanhas de equipamentos e lagos de combustível teriam que cruzar com eles”, diz Ian Easton, autor do livro The Chinese Invasion Threat: Taiwan’s Defense and American Strategy in Asia (“A ameaça da invasão chinesa: a defesa de Taiwan e a estratégia americana na Ásia”, em tradução literal, sem edição em português).

O tamanho do contingente também é um fator de risco para Beijing, que precisaria usar mais de 1,2 milhão dos seus dois milhões de soldados para enfrentar as cerca de 450 mil tropas que os taiwaneses poderiam arregimentar. Seria um processo mais complexo que o sangrento desembarque na Normandia na Segunda Guerra Mundial, cujo número de mortos até hoje não se consegue precisar.

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