Macron viaja para a Nova Caledônia em meio a tumultos e evacuações

Os protestos na ilha foram causados pela indignação do povo indígena Kanak em relação à reforma constitucional aprovada em Paris, que alteraria quem pode participar das eleições

Depois que confrontos armados atingiram a ilha, o presidente francês Emmanuel Macron partirá nesta terça-feira (21) para a Nova Caledônia, afirmou a porta-voz do governo, Prisca Thevenot, com a expectativa de “restabelecer o diálogo” sobre os planos de reforma eleitoral propostas por Paris, que foram rejeitados pelos indígenas Kanaks. O anúncio da viagem ocorre pouco mais de uma semana após a eclosão de tumultos no território ultramarino francês, que resultaram na morte de seis pessoas. As informações são da agência France24.

Ainda nesta terça, um avião de transporte da Força Aérea Australiana evacuou turistas presos em um pequeno aeroporto doméstico em Noumea, capital da pequena colônia francesa no Pacífico, localizada entre a Austrália e Fiji. Separatistas bloquearam estradas, dificultando o acesso ao aeroporto internacional.

Os protestos começaram após a aprovação de um projeto de lei que dá poder de voto a franceses vivendo há mais de dez anos na pequena nação insular. Os Kanak contestam a medida dizendo que ela reduziria a força política da população local e aumentaria a influência de Paris.

Presidente Macron desembarca na Bulgária para cumprir agenda (Foto: WikiCommons)

Paris afirma que a violência das manifestações está ligada a uma campanha online do Azerbaijão que inflamou os manifestantes. Um rastro de destruição foi deixado, com lojas saqueadas e carros incendiados, dificultando o acesso a medicamentos e alimentos.

Diante da atmosfera turbulenta, Austrália e a Nova Zelândia enviaram aviões para o aeroporto Noumea Magenta. Correspondentes da agência AFP observaram a aterrissagem do primeiro avião australiano, um C-130 Hercules, enquanto vários ônibus aguardavam para transportar os passageiros.

“Os passageiros estão sendo priorizados com base na necessidade. Continuamos a trabalhar em novos voos,” disse a ministra das Relações Exteriores da Austrália, Penny Wong, nas redes sociais, ao anunciar os dois primeiros voos.

Macron se reunirá com autoridades eleitas e representantes locais na quinta-feira (23) para um dia de negociações focadas na política e na reconstrução da ilha, informaram assessores.

“O presidente discutirá com todas as forças na Nova Caledônia”, afirmou o primeiro-ministro francês, Gabriel Attal. “O objetivo é preparar e antecipar a reconstrução. Macron também vai lá para restabelecer o diálogo”, acrescentou Attal.

O alto comissariado francês informou que 21 supermercados conseguiram reabrir e estão sendo reabastecidos gradualmente. As forças francesas estão restaurando a calma no território, removendo veículos queimados das estradas e mobilizando tropas para proteger edifícios públicos.

No fim de semana, autoridades francesas anunciaram que as forças de segurança desmantelaram 76 bloqueios ao longo da estrada de 60 quilômetros que liga Noumea ao aeroporto de La Tontouta, o principal da Nova Caledônia.

Nos próximos dias, estão previstos mais voos para evacuar cerca de 500 turistas franceses e estrangeiros, conforme informou o alto comissariado francês no arquipélago.

Oposição

Figuras importantes da política francesa, incluindo o ex-primeiro-ministro Manuel Valls, que acompanhou de perto o processo da Nova Caledônia durante seu mandato, apelaram para o adiamento da mudança constitucional.

“Não se pode fazer progressos na Caledônia emitindo ultimatos”, disse Valls no domingo (19).

Por outro lado, os representantes anti-independência querem que a mudança seja aprovada.

“A retirada provaria que os destruidores, saqueadores e desordeiros estão certos”, afirmou Nicolas Metzdorf, deputado da Nova Caledônia pelo partido Renascença de Macron. “A violência não pode substituir as urnas numa democracia”, acrescentou.

A França anexou a Nova Caledônia em 1853 e a transformou em território ultramarino em 1946. A ilha, rica em níquel, enfrenta uma crise no setor e tem alta pobreza. Distante 20.000 km da França e 1.500 km da Austrália, a Nova Caledônia vive sob tensão pró-independência, com a pior violência em 40 anos ocorrendo na semana passada.

Líderes franceses e do Pacífico pedem que Macron suspenda a reforma eleitoral aprovada recentemente. O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Vanuatu, Matai Seremaiah, apelou à França para resolver questões de descolonização e dialogar com os líderes Kanak.

As reações iniciais indicam que a renovação do diálogo será desafiadora, especialmente porque os líderes pró-independência responsabilizam Macron por avançar com a reforma eleitoral apesar da oposição local, segundo o site Politico.

“Aí vem o bombeiro depois de ter ateado o fogo!”, escreveu Jimmy Naouna, da Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista (FLNKS) da Nova Caledônia, em resposta às notícias sobre a visita de Macron.

Azerbaijão nega

O Azerbaijão nega qualquer interferência e disse que a alegação de Paris é “infundada”. Porém, Asim Mollazadeh, um parlamentar azeri que participou do encontro, diz que ouviu reclamações a respeito do tratamento dispensado pelos franceses à população nativa.

“Quase todos os seus direitos são violados. Não é adequado que ninguém viva no século 21 com as ações do século 15”, disse o político, que ofereceu “apoio moral” à população da Nova Caledônia.

Ainda segundo Mollazadeh, os neocaledônios “lutam pela sua liberdade e pelos seus direitos.” E acrescentou: “A história também lembra os crimes cometidos pela França.”

Apesar dos gritos por independência ouvidos nos protestos, em dois referendos, realizados entre 2018 e 2021, os eleitores voltaram contra a ideia, optando por manter a Nova Caledônia ligada à França.

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