Ações repressivas do governo da China levaram ao desaparecimento de mais de 800 cidadãos de Taiwan nos últimos dez anos dentro do território continental chinês. Os números constam de um levantamento feito por ativistas de direitos humanos e foram divulgados pela rede Radio Free Asia (RFA).
Segundo a Associação de Direitos Humanos de Taiwan, que liderou a apuração com a ajuda de outras instituições, ao menos 857 taiwaneses foram vítimas de desaparecimento forçado ou prisão arbitrária por parte de Beijing ao longo dos últimos dez anos.
Os alvos do governo chinês costumam ser ativistas pelos direitos humanos e pela democracia ou indivíduos que tenham papel de destaque na luta de Taiwan pela independência em relação à China, que considera a ilha como parte de seu território.
Em muitos casos, as pessoas ficam incomunicáveis por logos períodos, e a própria família demora para descobrir o destino que tiveram. Quando chega a informação, invariavelmente vem acompanhada de ameaçadas. É o caso do ativista pela democracia Lee Ming-Cheh, que cumpriu pena de cinco anos de prisão na província de Hunan por “tentar subverter o poder do Estado” e hoje está livre.
“Colaboradores do governo chinês em Taiwan alertaram minha esposa para não falar com ONGs taiwanesas ou falar publicamente sobre meu caso, dizendo que permitiriam que ela viajasse à China para me visitar [se ela obedecesse]”, disse ele. “Se ela falasse publicamente sobre o meu caso, ela não teria permissão para ir para a China.”
Há casos, entretanto, em que as informações nunca chegam. Geng He, que hoje mora nos EUA, diz que o marido dela, o advogado de direitos humanos Gao Zhisheng, desapareceu há sete. Segundo ela, em todo o período a família ficou “sem notícias ou explicações, nem verbais nem escritas”.
O governo chinês ainda confiscou os documentos de toda a família, criando sérios problemas para que continuassem com as próprias vidas mesmo no exterior. Segundo Geng, a situação levou a irmã e o cunhado do advogado desaparecido a cometerem suicídio.
“Eles mobilizam todo o aparato estatal para atingir pessoas como Gao Zhisheng, que falam a verdade e trabalham em nome do povo”, disse Geng. “Eles estão sendo controlados até a morte.”
A repressão imposta aos taiwaneses acompanha um padrão de Beijing. As principais vítimas são os uigures, uma minoria muçulmana de raízes turcas que sofre perseguição do governo chinês, com acusações de abusos diversos. Eles vivem sobretudo na província de Xinjiang, que faz fronteira com países da Ásia Central e com eles divide raízes linguísticas e étnicas.
Grupos humanitários calculam que cerca de 1,8 milhão de uigures e outros muçulmanos turcos foram detidos em Xinjiang sob acusações questionáveis, parte de uma campanha que o governo chinês diz ser voltada a prevenir o extremismo religioso, o separatismo e o terrorismo.
“O desaparecimento forçado é uma violação flagrante dos direitos humanos que inflige o trauma da detenção indeterminada ou do desaparecimento às suas vítimas, que muitas vezes são alvos por sua dissidência ou defesa dos direitos humanos e da democracia”, disse o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em uma declaração na sexta-feira (30).
Por que isso importa?
Taiwan é uma questão territorial sensível para a China, e a queda de braço entre Beijing e o Ocidente por conta da pretensa autonomia da ilha gera um ambiente tenso, com a ameaça crescente de uma invasão pelas forças armadas chinesas a fim de anexar formalmente o território taiwanês.
Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também vê Hong Kong como parte da nação chinesa.
Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal parceiro militar de Taipé. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.
A China, em resposta à aproximação entre o rival e a ilha, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.
A crise ganhou contornos mais dramáticos após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, à ilha em 2022. Foi a primeira pessoa ocupante do cargo a viajar para Taiwan em 25 anos, atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.
O treinamento serviu como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.
Desde então, aumentou consideravelmente a expectativa global por uma invasão chinesa. Para alguns especialistas, caso do secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin, o ataque “não é iminente“. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou em outubro de 2022 “que Beijing está determinada a buscar a reunificação em um cronograma muito mais rápido”.