Mianmar impede acesso de líderes democráticos a seus advogados durante julgamento

Aung San Suu Kyi já foi condenada a 33 anos de prisão e segue incomunicável enquanto espera o fim do processo judicial

Aung San Suu Kyi, a líder democrática de Mianmar presa no golpe de Estado de fevereiro de 2021, e o presidente deposto Win Myin têm sido impedidos de consultar seus advogados durante o julgamento ao qual vêm sendo submetidos desde dezembro do ano passado. A informação é da rede Radio Free Asia (RFA).

Desde que a junta militar tomou o poder no golpe, Suu Kyi já foi condenada a 33 anos de prisão em uma série de casos de suposta corrupção. Já o ex-presidente é alvo de oito processos, que renderam uma pena de mais de 12 anos de reclusão. Os partidários de ambos, bem como entidades humanitárias e governos estrangeiros, classificam as denúncias como politicamente motivadas

Aung San Suu Kyi em imagem de outubro de 2013: presa e incomunicável (Foto: WikiCommons)

Conforme se desenrola o longo processo judicial, os dois acusados solicitaram acesso aos advogados, o que lhes foi negado. “Estou muito preocupado, porque o pedido da equipe jurídica para vê-los não foi atendido e não sabemos se os líderes detidos estão bem de saúde”, disse uma fonte próxima à equipa jurídica de ambos, que pediu anonimato por razões de segurança.

Suu Kyi, que no início do processo cumpria pena domiciliar, agora está detida na prisão de Naypyidaw, enquanto Win Myint está na prisão de Taungoo. O contato com os advogados ocorre somente de forma indireta, vez que ambos estão autorizados a receber itens de primeira necessidade.

Um advogado criminalista consultado pela reportagem confirma a irregularidade da medida. “De acordo com a lei, os prisioneiros e detidos devem ter o direito de se reunir com seus advogados”, disse ele, que igualmente pediu para ter a identidade preservada. “Está claro na lei. O manual da prisão especificamente prevê o direito de os reclusos se reunirem com os seus advogados. Não há restrição a esse direito”.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi.

O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o estado de direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.

O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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