Mianmar projeta eleições, mas oposição vê pleito como tentativa de legitimar militares

Opositores da junta afirmam que uma eleição realizada sob o regime militar seria uma farsa e não resolveria os problemas existentes

A junta militar de Mianmar se comprometeu a realizar eleições gerais no final do próximo ano, com a votação dividida em etapas por motivos de segurança, conforme informaram políticos que se reuniram com o comitê eleitoral local no fim de semana. Os opositores do regime, entretanto, não receberam o anúncio como uma boa notícia, segundo a rede Radio Free Asia (RFA).

O líder da junta, general Min Aung Hlaing, havia prometido realizar as eleições desde o início de 2021, quando depôs o governo da então conselheira de Estado Aung San Suu Kyi. Ultimamente, até a China vem pressionando a junta para que realize o pleito, mas o anúncio não agradou os opositores.

Os críticos da junta contestam os planos, apontando a possibilidade de a eleição servir para legitimar o poder dos militares. Sithu Maung, porta-voz da Liga Nacional pela Democracia (NLD, na sigla em inglês), partido de Suu Kyi, afirmou que “a comunidade internacional e o público se oporão fortemente à eleição fraudulenta”.

O NLD venceu as eleições no final de 2020 com uma grande margem. No entanto, os militares alegaram fraude eleitoral, realizaram um golpe, prenderam a líder democrática e outros lideranças e declararam estado de emergência.

Ponto de votação das eleições de Mianmar em 2020 (Foto: WikiCommons)

No sábado (24), a Comissão Eleitoral da União (UEC), órgão vinculado à junta militar, se encontrou com representantes de partidos políticos em Naipidau e pediu que se preparassem para as próximas eleições, conforme informou Tin Swe, vice-presidente do Partido Democrata.

Embora a UEC não tenha anunciado oficialmente a data da eleição, Swe acredita que será em novembro do próximo ano, com base nas discussões com os organizadores. A mídia militar também reportou sobre a reunião e os preparativos para a eleição, mas não mencionou uma data específica.

Suu Kyi, a política mais popular de Mianmar, permanece detida com muitos membros de seu partido e apoiadores. Seu partido, a partido a NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês), que venceu as eleições de novembro de 2020 com 82% dos votos., assim como muitos outros partidos.

Perdendo forças

O líder do regime admitiu que suas forças perderam território após a queda de várias cidades no norte do estado de Shan durante a Operação 1027 da Aliança das Três Irmandades de Mianmar, uma coalizão rebelde formada pelo Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA), o Exército Arakan e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang. Os rebeldes seguem avançando e conquistaram ainda dez municípios nos estados de Rakhine e Chin.

Desde fevereiro, o regime tem intensificado o recrutamento militar, reativando ainda combatentes que estavam na reserva e rearmando milícias para lidar com a redução do seu exército devido a baixas e deserções.

Em maio, Min Aung Hlaing ordenou que todos os militares e policiais de oito comandos regionais fossem enviados para a linha de frente.

O regime perdeu metade do estado de Rakhine e as tensões aumentaram novamente no norte do estado de Shan, apesar de um cessar-fogo mediado pela China. Essas derrotas frequentes levantam dúvidas sobre a possibilidade de realizar um censo, compilar listas de eleitores ou conduzir uma eleição até outubro.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão da líder democrática Aung San Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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