Mulheres são afastadas dos estudos relacionados a obstetrícia no Afeganistão

Cinco universidades, seguindo ordens do Taleban, suspenderam atividades, impactando a formação de milhares de afegãs

Em um novo capítulo da crescente repressão à educação feminina no Afeganistão, estudantes de obstetrícia e enfermagem relataram à rede BBC que foram instruídas a interromper seus estudos, com a suspensão das aulas em várias instituições educacionais do país. A medida, que impacta diretamente a formação profissional de milhares de mulheres, foi confirmada por cinco faculdades que receberam ordens do Taleban para suspender as atividades até novo aviso.

As alunas, muitas delas com o semestre prestes a se concluir, reagiram com consternação e desespero ao saber da decisão. Vídeos postados nas redes sociais mostram estudantes chorando enquanto saem dos campi, algumas até protestando de forma silenciosa. A BBC ainda não obteve uma resposta oficial do Ministério da Saúde do governo talibã, mas a ordem de suspensão segue a política restritiva adotada pelo grupo desde sua ascensão ao poder em agosto de 2021, que já havia proibido o acesso de meninas ao ensino médio e superior.

Afegãs durante aula em um universidade na cidade de Farah, em 2013 (Foto: ResoluteSupportMedia/Flickr)

Um estudante, que preferiu não se identificar, relatou que sequer pôde realizar os exames finais. “Nos pediram para sair imediatamente, sem sequer ficarmos no pátio, porque o Taleban poderia aparecer a qualquer momento. Foi aterrorizante”, disse. Outra aluna falou sobre as aulas como “um lampejo de esperança em meio ao isola

A decisão ocorre no momento em que as faculdades de educação continuada, especialmente as que oferecem cursos de obstetrícia e enfermagem, representavam uma das últimas vias de acesso à educação para mulheres no Afeganistão. Esses cursos não só eram uma oportunidade de capacitação profissional, mas também ofereciam uma saída para o desemprego, o isolamento e as dificuldades emocionais enfrentadas por muitas mulheres afegãs.

As áreas de saúde feminina são de extrema importância, já que as mulheres no Afeganistão enfrentam um acesso restrito a cuidados médicos, especialmente os prestados por profissionais masculinos. A presença de mulheres em cursos de saúde era crucial, já que, além de capacitarem as alunas, essas formações ofereciam uma solução para o déficit de profissionais de saúde, especialmente parteiras. O país enfrenta uma das maiores taxas de mortalidade materna do mundo, com 620 mortes a cada 100 mil nascidos vivos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A situação reflete também um retrocesso nas expectativas das jovens afegãs, que viam esses cursos como uma forma de contribuir para a sociedade e melhorar suas condições de vida. Apenas três meses atrás, um centro de treinamento de parteiras gerido pelo Taleban estava em funcionamento, com estudantes aprendendo técnicas de parto e orgulhosas por poderem ajudar suas comunidades. Agora, o futuro dessas 17 mil alunas inscritas nesses cursos é incerto.

A medida gerou preocupação em diferentes esferas, já que os talibãs haviam anunciado que as escolas seriam reabertas após ajustes em seus currículos, que passariam a seguir princípios “islâmicos”. No entanto, esse anúncio nunca se concretizou, e as promessas do regime não foram cumpridas, aprofundando ainda mais as restrições ao acesso da mulher à educação e ao mercado de trabalho.

Fontes confidenciais do Ministério da Saúde confirmaram à BBC Afghan a suspensão, que parece ser mais um passo na contínua marginalização das mulheres no Afeganistão, desde que o Taleban assumiu o poder. A interrupção de cursos de formação de profissionais de saúde revela o impacto profundo na educação feminina e nas condições de saúde pública no país, tornando a situação ainda mais grave para aquelas que já enfrentam desafios imensos no cotidiano.

Misoginia

Desde o colapso do governo afegão, a repressão contra mulheres e meninas tem sido marca do Taleban. Elas não podem estudar, trabalhar ou sair de casa desacompanhadas de um homem. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã. E foram relatados casos de solteiras ou viúvas forçadas a se casar com combatentes.

Em 2023, os radicais proibiram inclusive o trabalho das mulheres afegãs em organizações não governamentais e na ONU (Organização das Nações Unidas), o que levou muitas dessas entidades a suspenderem a ajuda humanitária que ofereciam à população do Afeganistão, uma das mais necessitadas de tal suporte em todo o mundo.

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