Após uma viagem oficial à China, o chefe da junta militar de Mianmar, general Min Aung Hlaing, expressou pela primeira vez uma abertura para negociar com os grupos rebeldes do país. Em um raro pronunciamento, ele sugeriu que o governo militar pode buscar um caminho diplomático para lidar com os conflitos internos, especialmente com as forças que resistem ao controle do regime nas fronteiras nacionais. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).
Essa declaração vem em um momento delicado para Mianmar, que enfrenta conflitos armados intensos desde o golpe de Estado em 2021, quando o governo civil foi derrubado. Desde então, a junta militar tem lutado para manter o controle do território nacional, enfrentando resistência de diversos grupos étnicos armados e forças de oposição pró-democracia, que denunciam violações de direitos humanos e atos de violência por parte do regime.
A visita à China, um dos principais aliados da junta, foi vista por analistas como uma oportunidade para fortalecer o apoio internacional aos militares e buscar novas fontes de recursos e apoio estratégico. Beijing possui uma influência significativa na região e tem interesse em promover a estabilidade nas fronteiras, onde atua diretamente para proteger seus interesses econômicos e de segurança.
Ao retornar ao país, Min Aung Hlaing fez um apelo pelo fim das hostilidades, mencionando a possibilidade de conversas diretas com os grupos de oposição. No entanto, ele destacou que a aceitação de um acordo dependeria do comprometimento dos rebeldes em respeitar a soberania e a integridade de Mianmar, deixando claro que o governo não tolerará ações que, segundo ele, ameacem a unidade nacional.
Em resposta, alguns líderes rebeldes afirmaram que estariam dispostos a dialogar, mas com condições específicas, incluindo garantias de segurança para seus integrantes e o compromisso de que os direitos das minorias sejam respeitados. Embora essa disposição mútua para o diálogo seja uma novidade, há ceticismo quanto à possibilidade de avanços concretos, dado o histórico de desconfiança e hostilidade entre o governo militar e os grupos de resistência.
Observadores internacionais acompanham atentamente as movimentações, pois um acordo poderia representar uma chance de estabilidade para o Sudeste Asiático, além de um possível alívio para a crise humanitária que afeta milhões de civis deslocados pelo conflito. No entanto, os desafios para uma paz duradoura são complexos, e muitos acreditam que qualquer negociação exigirá o envolvimento de mediadores externos para evitar novas tensões e retrocessos.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.