Através de ferramentas tecnológicas e da ação de hackers, o governo da China promove uma campanha de vigilância e propaganda que inclui o acesso não autorizado a contas de e-mails e redes sociais, a divulgação de conteúdo online pró-Beijing, ataques a redes de Wi-Fi e até a invasão de sistemas digitais governamentais estrangeiros. Tais ações foram constatadas com base em documentos de uma empresa privada de segurança, a I-Soon, que vazaram na internet, segundo a agência Associated Press (AP).
Os documentos foram colocados na rede mundial de computadores no final da semana passada, mas somente agora o caso veio à tona. Como a I-Soon presta serviços para agências de policiamento e outros órgãos do governo chinês, entre eles o Ministério da Segurança Pública, o caso passou a ser investigado por Beijing.
Ainda não se sabe quem foi responsável pelo vazamento do material, que inclui contratos, apresentações de marketing, manuais de produtos e listas de clientes e funcionários.
Analistas ouvidos pela reportagem dizem que os documentos não revelam nenhuma ferramenta nova ou poderosa que já não fosse conhecida. O material, no entanto, dá uma ideia do alcance da campanha de propaganda e vigilância da China, que tem como alvos sobretudo dissidentes e integrantes de minorias étnicas como os uigures.
Através das ferramentas fornecidas pela I-Soon, agentes do governo chinês são capazes de invadir sistemas e contas de redes sociais como o X, antigo Twitter. Assim, acessam perfis considerados subversivos e identificam os responsáveis por eles, que tentam em vão manter o anonimato utilizando pseudônimos.
Se dentro da China o governo tem acesso irrestrito ao que se publica na internet, com o poder de excluir postagens e censurar expressões e temas classificados como delicados, o mesmo não ocorre no exterior. Daí a importância da I-Soon.
Os hackers a serviço de Beijing e da companhia também são capazes de invadir contas de e-mail, ocultar as atividades de outros agentes estatais na internet, difundir conteúdo do interesse do Partido Comunista Chinês (PCC), inutilizar redes de Wi-Fi e até invadir sistemas de governos estrangeiros, esta última uma acusação cada vez mais frequente contra o governo da China.
Minorias e vizinhos sob ataque
Em seu site, fora do ar desde terça-feira (20), a empresa destaca sua capacidade de “ataque e defesa” contra ameaças persistentes avançadas (APT, na sigla em inglês), expressão que os especialistas usam para descrever a ação dos grupos de hackers mais sofisticados do mundo.
O governo chinês tem entre seus alvos preferenciais indivíduos visados pelas autoridades e vistos como uma ameaça à segurança nacional. Cidadãos chineses provenientes de regiões onde Beijing identifica alto potencial de dissidência tendem a ser mais vigiados.
Dentro da China, o principal foco é a região de Xinjiang, onde vivem os uigures, uma minoria étnica muçulmana perseguida pelo governo, que justifica a repressão com base no argumento de combater o extremismo religioso.
Um contrato que faz parte do vazamento indica que a I-Soon tinha acesso a dados hackeados de companhias aéreas, celulares e governos de países vizinhos, como Mongólia, Malásia, Afeganistão e Tailândia. Seriam do interesse de Beijing justamente por conterem informações sobre uigures oriundos da China.
Taiwan, reivindicada por Beijing como parte de seu território, e Hong Kong são outros pontos de interesse. Entre os governos estrangeiros, além dos já citados, ao menos mais dez países foram atacados pelos hackers da I-Soon, entre eles Índia, Indonésia e Nigéria. Não há sinais de que algum país da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) tenha sido alvo da empresa.