Vislumbrando o pós-golpe, oposição revela proposta para nova Constituição em Mianmar

Declaração conjunta foi emitida pela coalizão de milícias que enfrenta a junta militar e já assumiu o controle de diversas cidades

Na véspera do terceiro aniversário do golpe militar em Mianmar, orquestrado por uma junta militar em 1º de fevereiro de 2021, o governo de oposição e três exércitos étnicos aliados divulgaram um comunicado conjunto. Nele, destacaram os objetivos da Revolução da Primavera, nome dado à resistência, bem como os princípios para restabelecer uma democracia federal pós-golpe. As informações são da rede Radio Free Asia.

O otimismo da oposição se deve às significativas perdas sofridas pelo Exército nacional na ofensiva da Tríplice Aliança, coalizão rebelde composta por três formações rebeldes: o Exército Arakan, o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA) e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang. Desde o início da operação, mais de 40 cidades foram conquistadas pelas forças de resistência.

Protesto em Mianmar contra o golpe militar em fevereiro de 2021 (Foto: WikiCommons)

Apesar dos esforços militares, o Exército enfrenta desafios na recuperação de territórios perdidos em múltiplas frentes. Três anos após o golpe que depôs o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês), o controle efetivo do país pela junta está em declínio, com conflitos internos entre líderes graduados, perdas econômicas e militares, além do aumento de deserções.

Apesar dos ataques aéreos em cidades perdidas, o Exército não conseguiu retomá-las. No terceiro aniversário do golpe, o general Min Aung Hlaing reiterou a promessa de esmagar a oposição, mas os resultados obtidos pelos militares são cada vez mais limitados.

O Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), composto por membros destituídos do governo eleito e outras figuras públicas, mantém uma ampla coalizão de organizações étnicas de resistência, reafirmando a busca por uma democracia federal.

Reforma constitucional

O comunicado destaca, entre os objetivos da resistência, o de reverter a tomada de poder pelo Exército e acabar com sua influência política, assegurando controle civil total sobre as Forças Armadas.

A antiga Constituição de 2008, criada pelos militares, será substituída por uma nova que promova federalismo e valores democráticos, obtendo consenso de todas as partes relevantes. Isso visa estabelecer uma nova união democrática federal. Além disso, os rebeldes buscam implementar um mecanismo de justiça transitória.

O comunicado também destaca nove posições para lidar com desafios complexos durante e após conflitos, sendo as duas primeiras relacionadas à ilegal tomada de poder pelo Exército, que violou sua própria Constituição.

Uma tarefa crucial será redesenhar as fronteiras estaduais, com apelos para desmembrar estados de maioria étnica. A declaração conjunta conclui com o compromisso de persistir nos esforços revolucionários, mantendo cooperação inabalável com as forças revolucionárias aliadas.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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