Na Rússia, nem crianças escapam da repressão imposta a quem contesta a guerra

Começam a se acumular os casos de menores separados dos familiares porque algum deles manifestou posição contrária à invasão russa

Desde o início da guerra na Ucrânia, com a invasão das tropas da Rússia no dia 24 de fevereiro de 2022, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão sob o regime do presidente Vladimir Putin, registrou mais de 19,5 mil detenções em protestos contra o conflito. E esses dezenas de milhares de casos têm cada vez mais atingido crianças, algumas delas separadas da família e enviadas a abrigos ou orfanatos pelas autoridades locais. As informações são da agência Al Jazeera.

Dan Storyev, editor-chefe do site em inglês da OVD-Info, diz que a entidade registrou 544 casos de menores detidos em episódios ligados a protestos antiguerra em 2022, sendo que sete deles são atualmente alvo de processos judiciais.

“Estamos vendo uma tendência preocupante de menores sendo perseguidos pelo regime junto com suas famílias”, disse ele. “Os menores são visados ​​por compartilhar postagens ou comentários sobre comícios antiguerra, espalhar panfletos contra a mobilização e a guerra, realizar protestos individuais, expressar opiniões antiguerra em eventos escolares, vestir peças de roupa ou fazer inscrições antiguerra”.

Paralelamente à repressão, o governo tem incentivado a educação cívica, com um currículos educacional cada vez mais focado no patriotismo e até no militarismo. “As tentativas de fazer isso aconteceram muito antes da guerra. O Estado patrocina escolas de cadetes e aulas de cadetes nas escolas regulares”, relata Storyev.

Masha Moskaleva exibe o desenho que veio a justificar a prisão do pai (Foto: reprodução/ovd.news)
Separadas da família

Entre os casos envolvendo menores de idade, há alguns em que eles foram protagonistas. Como o de Masha Moskaleva, que atualmente vive em um abrigo depois que o pai foi preso e encara a possibilidade de ser condenado a até três anos de prisão. O problema começou quando a menina, que atualmente tem 12 anos de idade, fez um desenho de protesto contra a guerra.

O caso de Masha tornou-se particularmente conhecido pela banalidade da acusação contra ela e o pai e a desproporcionalidade da punição. Segundo Vladimir Biliyenko, advogado da família, a jovem segue separada do pai, que a criava sozinho, e está atualmente em um abrigo. A mãe, que vive longe da menina, também não tem acesso a ela.

Aleksey Moskalev, o pai, chegou a ser colocado sob detenção provisória antes de ser enviado à prisão domiciliar. “Estamos trabalhando para que ela seja devolvida, e a prisão domiciliar, suspensa”, afirmou o advogado. Porém, o processo contra o homem está em andamento, e em caso de condenação a menina seria enviada a um orfanato.

Só que o Estado russo não parece satisfeito em separar pai e filha temporariamente e busca uma decisão definitiva neste sentido. Svetlana Davydova, chefe da comissão regional para assuntos juvenis, disse à mídia estatal russa que ambos constam da lista de “famílias em situações socialmente perigosas”, por isso abriu uma ação de perda definitiva de guarda contra o pai e a mãe de Masha.

Um episódio semelhante ocorreu na Sibéria, onde um menino de 16 anos foi enviado a um orfanato ao mesmo tempo em que a mãe, Natalia Filonova, foi detida por se opor à guerra. Além de ter participado de uma manifestação pedindo o fim do conflito, a mulher foi acusada de agredir dois agentes de polícia com uma caneta.

“O objetivo do regime é inspirar medo, então eles ameaçam as famílias com a separação, alegando que os pais não estão criando os filhos direito. Como foi o caso de Alexey [Moskalyev]”, declarou o editor-chefe da OVD-Info, que revelou outros casos de menores que entraram na mira das autoridades russas.

Em Moscou, a eletricidade de uma residência foi desligada depois que um menor de idade manifestou oposição ao conflito na Ucrânia, enquanto dois estudantes do ensino médio foram assediados por um grupo de pessoas por terem se recusado a ficar em pé durante o hino nacional da Rússia. Houve até a ocorrência de uma criança repreendida por escrever uma carta pedindo a um soldado que não matasse ninguém e voltasse para casa.

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