Agências denunciam desvio de alimentos e suspendem ajuda humanitária na Etiópia

Investigação aponta que autoridades governamentais e tropas da Eritreia roubaram comida que seria entregue à população de Tigré

O Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) suspenderam na semana passada o fornecimento de ajuda humanitária na região de Tigré, na Etiópia. Segundo as duas agência, o que as levou a adotar tal medida extrema foi a constatação de que alimentos destinados à população local vinham sendo desviados para funções diversas. As informações são da agência Reuters.

Os responsáveis pelo desvio de ajuda humanitária seriam funcionários dos governos regional e federal etíope e soldados da Eritreia, cujas forças armadas são parceiras de Adis Abeba no conflito contra os rebeldes de Tigré. A denúncia foi feita com base em uma investigação conduzida por autoridades da região no norte da Etiópia.

A investigação apontou que sete mil toneladas de trigo e 215 mil litros de óleo de cozinha foram desviados, segundo o general Fiseha Kidanu, chefe de paz e segurança da administração regional interina de Tigré. No total, 186 pessoas foram acusadas, mas apenas sete prisões foram efetuadas.

O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed: alvo de denúncias diversas (Foto: Divulgação/Kremlin)

De acordo com a USAID, o alimento que deveria ser enviado aos cidadãos de Tigré, isolados do resto do país devido ao conflito, vinham servindo na verdade aos soldados da Etiópia. Além do conflito que há dois anos atinge o norte etíope, a população sofre com a seca, que deixou 20 milhões de pessoas no país necessitando de assistência alimentar.

Adis Abeba disse que abriu uma investigação própria para apurar as denúncias, mas condenou a decisão das agências de cortar a ajuda humanitária. Por sua vez, as forças armadas etíopes negaram que seus solados tenham se beneficiado de qualquer carregamento de alimentos roubados.

Por que isso importa?

A região de Tigré, no extremo norte da Etiópia, esteve imersa em conflitos por dois anos desde novembro de 2020, quando disputas eleitorais levaram Addis Abeba a determinar a tomada das instituições locais. A disputa envolvia a TPLF e as forças de segurança nacionais da Etiópia. Um acordo de paz foi firmado em novembro de 2022.

Os militares chegaram a reconquistar Tigré, mas os rebeldes viraram o jogo e começaram a ganhar território. No final de junho de 2021, eles anunciaram um processo de “limpeza” para retomar integralmente o controle da região e assumiram o comando de Mekelle.

Pouco após a derrota do exército, o governo da Etiópia decretou um cessar-fogo e deixou Tigré. Os soldados do exército da aliada Eritreia também deixaram de ser vistos por lá. Posteriormente, com o avanço dos rebeldes, que chegaram às regiões vizinhas de Amhara e Afar, o exército foi enviado novamente para apoiar as tropas locais.

Durante o conflito, a TPLF se aliou ao OLA (Exército de Libertação Oromo, da sigla em inglês), que em 2020 se desvinculou do partido político homônimo e passou a defender de maneira independente a etnia Oromo, a maior da Etiópia.

A coalizão passou a superar o exército nos confrontos armados e chegou a ameaçar rumar para a capital, sem sucesso. A situação estava relativamente calma em 2022 até agosto, quando novos confrontos eclodiram. Três meses depois, um cessar-fogo foi firmado, e os rebeldes começaram a depor suas armas.

Acredita-se que dezenas de milhares de pessoas tenham morrido no conflito, com milhões de deslocados das regiões de Tigré, Amhara e Afar. Em março de 2023, os EUA acusaram todas as partes envolvidas no conflito de cometerem crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A denúncia recai não apenas sobre as forças armadas da Etiópia e da Eritreia, país vizinho que apoiou o governo etíope durante o conflito. Também atinge as milícias de oposição, quais sejam a TPLF e as forças rebeldes de Amhara.

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