Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do jornal The Moscow Times
Por Andreas Umland
Em uma declaração em 25 de setembro, o presidente russo Vladimir Putin anunciou uma modificação aparentemente significativa da doutrina militar da Rússia. Ele revelou que Moscou consideraria qualquer “agressão” de um Estado não nuclear apoiado por uma potência nuclear como um “ataque conjunto” à Rússia. A mensagem de Putin para o Ocidente é simples: se você ajudar a Ucrânia militarmente, você pode se tornar o alvo de Moscou.
Putin especificou ainda que a nova doutrina “definiria claramente as condições para a transição da Rússia para o uso de armas nucleares”. Ele alertou sombriamente que tal possibilidade seria considerada assim que Moscou recebesse “informações confiáveis” sobre armas sendo lançadas através das fronteiras da Rússia. O presidente esclareceu que as mudanças futuras significam que Moscou “se reserva o direito” de usar armas nucleares não apenas no caso de agressão contra a Rússia, mas também contra Belarus.
Em comparação com suas ameaças anteriores, a novidade deste último aviso é menos sua franqueza do que o fato de que diz respeito a um documento formal futuro. Apesar deste novo fato, os anúncios recentes de Putin não mudam os princípios da posição da Rússia. As mudanças na doutrina militar da Rússia são tanto uma operação psicológica do Kremlin quanto suas numerosas tentativas anteriores de intimidar os aliados de Kiev com armas nucleares.
Como antes, Moscou quer assustar os apoiadores estrangeiros da Ucrânia de continuar e estender sua ajuda. A nova mudança proposta na doutrina militar é mais uma tentativa de circunscrever a assistência ocidental à Ucrânia.
No entanto, deve-se colocar a declaração de Putin em perspectiva. Documentos oficiais russos — sejam leis, doutrinas, tratados ou outros textos governamentais — têm pouco significado em um país sem Estado de Direito e onde o Estado se comporta arbitrariamente. Em assuntos estrangeiros e domésticos, o Kremlin toma decisões com base em preferências políticas em vez de atos legais que sempre podem ser adaptados ou alterados ad hoc.
Os novos anúncios de Putin, assim como outras ameaças dele e de sua comitiva, estão relacionados a debates estratégicos atuais no Ocidente. Uma discussão crítica é sobre a questão de fornecer à Ucrânia mais e melhores armas aéreas, incluindo o altamente eficaz, mas, agora, infame míssil de cruzeiro alemão Taurus. Outro debate diz respeito à questão de permitir ou não que a Ucrânia use armas ocidentais de longo alcance dentro da Rússia. Isso parece ser um incômodo particular para o Kremlin.
No entanto, essas questões precisam ser vistas em seu contexto histórico. A Ucrânia atacou alvos militares russos nos territórios ucranianos ocupados da Crimeia, Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhya e Kherson por mais de dois anos. Essas cinco regiões são, após as anexações ilegais, mas oficiais, russas de 2014 e 2022, território regular do Estado russo de acordo com a constituição emendada do país.
Mais recentemente, a Ucrânia também atacou vários alvos militares e industriais no território internacionalmente reconhecido da Rússia. Um drone até voou para o próprio Kremlin. Impressionantemente, a Ucrânia conseguiu atingir resultados relevantes e destruir grandes depósitos de munição e plantas de processamento de petróleo bem no interior da Rússia.
A doutrina militar russa existente já permite que Moscou use armas nucleares em resposta a ataques estrangeiros conduzidos apenas com armas convencionais. Os ataques massivos da Ucrânia e as intrusões em territórios estatais russos legítimos e ilegítimos desde 2022 poderiam ter sido interpretados, pelo Kremlin, como permitindo que Moscou retaliasse com armas de destruição em massa.
Desde 2010, a doutrina militar da Rússia permite que isso seja feito em casos “de agressão contra a Rússia com o uso de armas convencionais quando a própria existência do Estado estiver ameaçada”. Essa peculiaridade da doutrina nuclear da Rússia que permite o uso de armas atômicas em resposta a ataques com armamento convencional foi reafirmada nos “Fundamentos da Política de Estado da Federação Russa na Área de Dissuasão Nuclear” de 2020.
Assim, desde 2014, Putin e companhia têm repetidamente indicado sua prontidão para usar armas nucleares em resposta à resistência armada ucraniana apoiada pelo Ocidente à expansão da Rússia para a Ucrânia com armamento convencional. A frase “própria existência do Estado russo” poderia ter sido interpretada como significando a inviolabilidade de suas fronteiras e espaço aéreo, incluindo aqueles dos territórios ucranianos anexados que Moscou reivindica como parte da Rússia. Não é de se admirar que políticos e propagandistas russos tenham expressado ameaças nucleares contra vários países todos os meses desde 2022.
No entanto, nenhuma arma nuclear foi usada. Isso porque anúncios orais ou escritos sobre seu uso não são prévias de ações genuínas. Eles são parte de uma operação implacável de guerra psicológica para subverter a autodefesa da Ucrânia. As mudanças recentes na doutrina militar russa são parte desse jogo internacional de relações públicas.
A decisão de Moscou de usar armas nucleares seria guiada menos pela doutrina oficial do que por considerações de poder político. Se o Kremlin acha que usar armas de destruição em massa aumentaria seu poder, ele o fará. Tal ação poderia ter acontecido antes e poderia acontecer no futuro, não importando a formulação precisa da doutrina oficial da Rússia. Utilidade política em vez de legalidade oficial, e consideração estratégica em vez de obrigação doutrinária farão o Kremlin se mover em uma direção ou outra.
Isso significa que é improvável que a Rússia ataque um estado membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) enquanto Moscou acreditar na seriedade da promessa de defesa mútua da aliança. Isso também significa que Estados ocidentais e outros interessados em evitar o uso de armas de destruição em massa pela Rússia na Ucrânia devem se certificar de que o Kremlin não pense que pode escapar impune. Assim, todos os governos ao redor do mundo interessados em impedir a escalada nuclear na Europa Oriental devem tomar uma posição pública.
Eles precisam deixar claro para o Kremlin que uma nova escalada do ataque já genocida de Moscou à Ucrânia terá consequências sérias para a Rússia e sua liderança. Putin ameaça mais uma vez a humanidade que, se um país resistir à guerra convencional de expansão e aniquilação da Rússia, Moscou se tornará nuclear. Todos que discordam e querem que tal cenário nunca se realize devem dar ao Kremlin um claro e alto “não!”