‘A Grande Família’ e senha frágil: os descuidos que desmascararam espião ‘brasileiro’ devolvido à Rússia

Agente usou falsa identidade para se infiltrar na Noruega, mas referências à Rússia e ao nome real ajudaram a identificá-lo

Em outubro de 2022, o Serviço de Segurança da Polícia Norueguesa (PST, na sigla em norueguês) prendeu um indivíduo que se identificava como José Assis Giammaria, cidadão brasileiro e pesquisador autofinanciado que atuava em um projeto de segurança conduzido por uma universidade do país escandinavo. Ele insistiu na falsa identidade durante dois meses, quando enfim admitiu que era na verdade um cidadão russo. Antes da confissão, entretanto, o site investigativo The Insider já havia apresentado indícios suficientes de que o homem era um espião a serviço de Moscou, devidamente desmascarado devido a uma série de descuidos que envolvem a série de televisão “A Grande Família” e o uso de senhas nada seguras, ainda mais para um agente de inteligência.

O verdadeiro nome de José Assis é Mikhail Mikushin, um coronel do GRU, o serviço russo de inteligência militar. Ele retornou a seu país nos últimos dias, envolvido em uma das maiores trocas de prisioneiros desde a Guerra Fria. O acordo, negociado por Rússia e EUA, envolveu outros quatro países, sendo que Moscou libertou 16 pessoas, quatro com nacionalidade norte-americana, e recebeu oito de volta.

Mikhail Mikushin, espião russo que usava identidade brasileira (Foto: The Insider)

Se hoje não existe dúvida quanto à identidade e à atuação de Mikushin como agente russo, logo após a prisão foi necessário checar uma série de registros digitais para confirmar que José Assis Giammaria era apenas mais uma identidade brasileira falsamente assumida por um cidadão russo.

O Insider identificou uma série de contas de e-mail usadas pelo russo. Em duas delas foi adotado o nome brasileiro, mas em outras ele cometeu um deslize um tanto óbvio: usou endereços russos. Inclusive um apelido associado ao nome real dele aparece em um das contas, ao lado de um indício, em português claro, de que atuava como espião: [email protected].

Se ainda havia alguma dúvida de que o usuário da conta “mika-invasor” era o agente de sobrenome Mikushin, ela se desfaz na análise da senha: mcUshin. Ou seja, ele escondeu sua verdadeira identidade usando para tal o sobrenome real.

Uma das contas de e-mail faz referência, ainda, a uma série de televisão bastante popular entre os brasileiros: [email protected]. De acordo com o Insider, foi, sim, criado em função do popular programa humorístico transmitido pela Rede Globo entre 2001 e 2014.

Capitão da inteligência russa

Na Rússia, Mikushin estudou na Academia Diplomática Militar (VDA, na sigla em russo) do GRU, que só aceita oficiais militares graduados a partir da patente de capitão. Também é necessário para estudar lá saber uma língua estrangeira, o que no caso dele era o português. Para obter o passaporte brasileiro, alegou ter uma mãe nascida no país, de acordo com os investigadores.

Antes de chegar à Noruega, o espião russo estudou no Canadá, onde se formou em ciências politicas em 2016 e em estudos estratégicos três anos depois. Nos dois países, mostrou especial interesse pela região do Ártico, que tem importância estratégica para Moscou.

De acordo com o PST, sob o disfarce de José Assis, Mikushin conseguiu enganar o governo norueguês durante um período e é possível que tenha “adquirido informações sobre a política do país escandinavo na região norte”. Oslo considera a situação temerária, devido ao risco de que dados confidenciais tenham chegado às mãos do Kremlin.

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