Berlim impõe barreira desumana a refugiados sírios e ajuda a financiar Bashar al-Assad

Governo alemão exige passaporte sírio daqueles que buscam asilo no país europeu, gerando renda a um regime ditatorial

Existem atualmente cerca de 900 mil pessoas de origem síria na Alemanha, sendo que 640 mil vivem no país graças a algum tipo de residência temporária. Muitos sonham com a cidadania, mas ao iniciarem o processo se deparam com uma barreira: o passaporte sírio. O que parece mera burocracia esconde dois problemas: a exigência desumana de que regressem ao território sírio, no caso a embaixada em Berlim, e ainda ajudem a financiar o ditatorial regime do presidente Bashar al-Assad. É o que aponta reportagem da rede Deutsche Welle (DW).

Os cidadãos sírios refugiados na Alemanha vivem no país graças a um estatuto de “proteção subsidiária”. Ele garante abrigo a indivíduos que não correm risco devido a algum tipo de perseguição pessoal no país originário, mas teriam suas vidas ameaçadas porque a nação de onde vieram está em um momento de turbulência. No caso da Síria, uma guerra civil.

Mural de Bashar al-Assad na cidade de Latakia, na Síria (Foto: Wikimedia Commons)

Considerando o fato de que não são alvo de perseguição pessoal, o governo alemão exige que essas pessoas obtenham o passaporte sírio caso iniciem o processo da cidadania alemã. O documento é um dos mais caros do mundo, com custo que varia entre 265 e 1.000 euros, e esse dinheiro vai para os cofres de Assad. O faturamento é ainda maior devido ao prazo de validade, que é de apenas dois anos.

Segundo organizações alemãs de defesa dos refugiados, o regime embolsa anualmente cerca de 85 milhões de euros com passaportes. Karam Shaar, um especialista em economia política síria, fez um cálculo próprio e contestou esses valores, mas apresentou números ainda assim elevados: entre 14 milhões e 37 milhões de euros de faturamento anual.

“O número de pedidos de asilo apresentados por sírios na União Europeia (UE) é o mais elevado dos últimos sete anos. Isto deveria incentivar a UE a exercer forte pressão no sentido de uma solução política justa e sustentável para o conflito”, disse Shaar na rede social X, antigo Twitter. “Em vez disso, com a ascensão da extrema direita e a crise econômica, a UE tem se inclinado no sentido de tornar simplesmente mais difícil a chegada e a fixação dos refugiados, apesar de ter reconhecido há apenas dez dias que os sírios continuam não tendo um lugar seguro para onde regressar.”

A exigência do passaporte antes se resumiu a alguns estados alemães, mas desde 2018 tornou-se um padrão nacional. A norma foi estabelecida pelo então ministro do Interior, o conservador Horst Seehofer, que tem o combate à migração entre suas bandeiras. Ainda assim, nem todas as nacionalidades se submetem a tal regra, e os sírios estão entre os que mais sofrem com ela.

Adam Yasmin, um refugiado sírio que chegou a passar sete meses preso em seu país por se posicionar a favor de uma abertura democrática, contesta a exigência e foi à Justiça porque se recusa a financiar Assad. “De nenhuma maneira eu quero dar dinheiro ao governo sírio depois do que fizeram comigo. Esta é uma linha vermelha para mim”, disse. “Faz com que tudo o que vivi pareça ter sido nada.”

A questão vem sendo analisada em Berlim, e a questão financeira não está no cerne do debate. O foco do governo é na exigência de que os refugiados compareçam ao consulado, o que os coloca ao alcance das autoridades sírias. Há formas de argumentar legalmente que a obtenção do passaporte é inviável, mas ainda assim a Alemanha é inflexível na enorme maioria dos casos.

“Espera-se que nos integremos aqui, mas as autoridades continuam a colocar pedras no nosso caminho”, afirmou Yasmin. “Eles nos dizem para pagar 1.000 euros ao governo que nos forçou a sair do nosso próprio país, nos torturou e matou as nossas famílias. E ainda dizem que ‘isso não é problema nosso, é de vocês’.”

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