Existem atualmente cerca de 900 mil pessoas de origem síria na Alemanha, sendo que 640 mil vivem no país graças a algum tipo de residência temporária. Muitos sonham com a cidadania, mas ao iniciarem o processo se deparam com uma barreira: o passaporte sírio. O que parece mera burocracia esconde dois problemas: a exigência desumana de que regressem ao território sírio, no caso a embaixada em Berlim, e ainda ajudem a financiar o ditatorial regime do presidente Bashar al-Assad. É o que aponta reportagem da rede Deutsche Welle (DW).
Os cidadãos sírios refugiados na Alemanha vivem no país graças a um estatuto de “proteção subsidiária”. Ele garante abrigo a indivíduos que não correm risco devido a algum tipo de perseguição pessoal no país originário, mas teriam suas vidas ameaçadas porque a nação de onde vieram está em um momento de turbulência. No caso da Síria, uma guerra civil.
Considerando o fato de que não são alvo de perseguição pessoal, o governo alemão exige que essas pessoas obtenham o passaporte sírio caso iniciem o processo da cidadania alemã. O documento é um dos mais caros do mundo, com custo que varia entre 265 e 1.000 euros, e esse dinheiro vai para os cofres de Assad. O faturamento é ainda maior devido ao prazo de validade, que é de apenas dois anos.
Segundo organizações alemãs de defesa dos refugiados, o regime embolsa anualmente cerca de 85 milhões de euros com passaportes. Karam Shaar, um especialista em economia política síria, fez um cálculo próprio e contestou esses valores, mas apresentou números ainda assim elevados: entre 14 milhões e 37 milhões de euros de faturamento anual.
“O número de pedidos de asilo apresentados por sírios na União Europeia (UE) é o mais elevado dos últimos sete anos. Isto deveria incentivar a UE a exercer forte pressão no sentido de uma solução política justa e sustentável para o conflito”, disse Shaar na rede social X, antigo Twitter. “Em vez disso, com a ascensão da extrema direita e a crise econômica, a UE tem se inclinado no sentido de tornar simplesmente mais difícil a chegada e a fixação dos refugiados, apesar de ter reconhecido há apenas dez dias que os sírios continuam não tendo um lugar seguro para onde regressar.”
The number of asylum requests lodged by Syrians in the EU is at its highest in seven years.
— Karam Shaar كرم شعّار (@Karam__Shaar) February 29, 2024
This should incentivize the EU to push hard for a fair and sustainable political settlement for the conflict.
Instead, with the rise of the far right and the economic downturn, the EU… pic.twitter.com/c3ed5CyTbS
A exigência do passaporte antes se resumiu a alguns estados alemães, mas desde 2018 tornou-se um padrão nacional. A norma foi estabelecida pelo então ministro do Interior, o conservador Horst Seehofer, que tem o combate à migração entre suas bandeiras. Ainda assim, nem todas as nacionalidades se submetem a tal regra, e os sírios estão entre os que mais sofrem com ela.
Adam Yasmin, um refugiado sírio que chegou a passar sete meses preso em seu país por se posicionar a favor de uma abertura democrática, contesta a exigência e foi à Justiça porque se recusa a financiar Assad. “De nenhuma maneira eu quero dar dinheiro ao governo sírio depois do que fizeram comigo. Esta é uma linha vermelha para mim”, disse. “Faz com que tudo o que vivi pareça ter sido nada.”
A questão vem sendo analisada em Berlim, e a questão financeira não está no cerne do debate. O foco do governo é na exigência de que os refugiados compareçam ao consulado, o que os coloca ao alcance das autoridades sírias. Há formas de argumentar legalmente que a obtenção do passaporte é inviável, mas ainda assim a Alemanha é inflexível na enorme maioria dos casos.
“Espera-se que nos integremos aqui, mas as autoridades continuam a colocar pedras no nosso caminho”, afirmou Yasmin. “Eles nos dizem para pagar 1.000 euros ao governo que nos forçou a sair do nosso próprio país, nos torturou e matou as nossas famílias. E ainda dizem que ‘isso não é problema nosso, é de vocês’.”