Campanha de desinformação russa tem como alvo os trabalhadores humanitários

Fake news russas, espalhadas principalmente pelo Telegram, têm servido para desacreditar trabalho da Cruz Vermelha no resgate a vítimas da guerra

Em maio, um vídeo disseminado no Telegram acusava a Cruz Vermelha de coletar milhares de registros médicos de crianças ucranianas, no que seria um esquema de tráfico de órgãos. As imagens foram compartilhadas pela mídia pró-Rússia, e o Kremlin até se pronunciou dizendo que investigaria a situação.

Na verdade, evidentemente, se tratava de um notícia falsa. O próprio Comitê Internacional emitiu nota dizendo que as alegações eram parte de uma campanha russa de desinformação com o objetivo de desacreditar o trabalho da entidade e de outros trabalhadores humanitários engajados em socorrer vítimas do conflito, segundo informações da revista Foreign Policy.

“À medida que as necessidades aumentam a cada hora, nossa capacidade de fornecer assistência humanitária muito necessária está hoje sendo prejudicada por uma onda de desinformação sobre nosso trabalho e o papel que desempenhamos para aliviar o sofrimento em conflitos armados”, diz o comunicado.

Em 2014, voluntários da Cruz Vermelha Ucraniana colocam bandeira acima da entrada de hotel em Kiev para marcá-lo como um hospital pacífico e improvisado (Foto: WikiCommons)

Esse tipo de estratégia teve início na Síria, inclusive com êxito. Lá, a inteligência russa já mirava na Cruz Vermelha, mais especificamente nos Capacetes Brancos, grupo de resgate formado por voluntários que surgiu durante o conflito em 2013 e segue atuando em regiões ainda dominadas pelos rebeldes que lutam contra o governo do presidente Bashar Al-Assad.

Com câmeras de vídeo presas aos capacetes, que registravam os esforços de resgate, os Capacetes Brancos se tornaram potenciais testemunhas de crimes de guerra na Síria, o que motivou os russos a desacreditarem seu trabalho por meio de desinformação na internet.

Front digital

Já na Ucrânia, ao mesmo tempo em que organizações humanitárias lutam para levar ajuda a comunidades vulneráveis ​​no leste, região que concentra a maior destruição, precisam refutar informações falsas que diariamente são disseminadas nas redes, particularmente em relação a ucranianos de língua russa que estão tentando ajudar.

As fake news compartilhadas principalmente pelo Telegram incluem laboratórios biológicos financiados pelos EUA e histórias de nazistas exercendo influência na Ucrânia, que têm o objetivo de desacreditar o Ocidente e aumentar o apoio doméstico na Rússia para a invasão.

“Na Síria, eles os difamam [Capacetes Brancos] dizendo que estão trabalhando com terroristas. Na Ucrânia, eles trocaram terroristas por nazistas”, disse Kate Starbird, professora associada da Universidade de Washington e cofundadora do Center for an Informed Public.

Na visão de Jacob Kurtzer, diretor e membro da Agenda Humanitária do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, o terreno da informação está fundamentalmente alterado para futuros conflitos.

“As narrativas estão agora gerando conflitos, e as mídias sociais criaram um imperativo para descentralizar as comunicações, tornando os comunicados de imprensa antiquados e ineficazes”, disse.

Como ponto positivo em meio a esse cenário de “guerra de narrativas” travado no front cibernético, civis estão ajudando nos esforços de transparência. Segundo Inga Trauthig, gerente de pesquisa e pesquisadora do Propaganda Research Lab, da Universidade do Texas, diferentemente da Síria, os ucranianos estão preparados para moldar notícias e informações em suas comunidades.

“A Ucrânia tem mais controle sobre o fluxo de informações e está apoiando civis e organizações humanitárias em seus esforços para combater a desinformação”, acrescentou.

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